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Entrevistas

Entrevista: Malena Muyala

por Nathália Pandeló

A julgar pelo número de presentes na última sexta-feira no Theatro Dom Pedro, os menos informados diriam que se apresentaria ali alguém de renome nacional. No entanto, Malena Muyala, cantora uruguaia de tango, nunca havia se apresentado no país. Conhecida no circuito de tango, a intérprete já foi eleita a “Mulher do Ano” em seu país, além de receber disco de ouro por seus três trabalhos (lançados apenas no Uruguai e na Argentina), e veio a Petrópolis como parte do 10º Festival de Inverno de Petrópolis, promovido pela Dell’Arte.

Do início ao fim da apresentação, o público parecia encantado, hipnotizado pela voz da cantora. Não era raro ouvir comentários de surpresa – “Novinha ela, não?” – e admiração – “Que voz!” – vindos da plateia, predominantemente de meia-idade e idosa. Porém, não seria preciso entrar no teatro para perceber o quanto o público gostou da apresentação – do lado de fora se via a fila formada para comprar os raros CDs da cantora, que se esgotaram minutos após o fim do show.

Embora cansada da viagem e da rotina de entrevistas durante o dia, a cantora gentilmente recebeu o Acontece em Petrópolis em seu camarim após a apresentação. E mostrou, com simpatia e graça, porque é tão querida pelos uruguaios.

Nós, brasileiros, não conhecemos muito bem o tango, e o pouco que conhecemos vem da Argentina. Há diferença entre o tango argentino e o uruguaio?
A princípio, quando se começou a compor tango – estamos falando do fim de 1800 ao início de 1900 – não havia diferença entre a música feita em Montevidéu e a feita em Buenos Aires. É uma música que surge basicamente em cidades portuárias, onde havia muitos imigrantes, como espanhóis e italianos, que deixavam ali sua cultura. Mas é uma música dos bairros, dos lados pobres e humildes das cidades. A princípio não havia tanta diferença entre o que se compunha em Buenos Aires e Montevidéu. Porém, surgiu a dança. Na Argentina a dança de tango é muito mais exuberante, com a mulher ao centro. E o tango dançado “à la uruguaia”, como se diz, é um tango mais do casal, mais introvertido. É para o casal, íntimo, e não para que os outros vejam. E, ao longo da história, há muitos compositores argentinos que compõem com uruguaios. Astor Piazzolla, argentino, a maioria de suas letras quem escrevia era Horacio Ferrer, que era uruguaio. Então há muitas composições em conjunto. “La Comparsita”, por exemplo, que é um tango muito famoso, é uruguaio. A Argentina se apresenta ao mundo com “La Comparsita”. A diferença entre Uruguai e Argentina é que a Argentina é muito maior, tem mais cantores e é mais conhecida mundialmente. Essencialmente, se pode dizer que não há grandes diferenças, a não ser na dança. Mas se faz muito em conjunto, com compositores de um lado e do outro.

E você também dança tango?
Sim, mas não como bailarina de tango. Tanto em Buenos Aires, quanto em Montevidéu, há lugares para se dançar, chamados de milongas. As pessoas vão apenas para ouvir tango e dançar. Se vou a uma milonga, danço. Sou também atriz. Participei recentemente da obra “Monólogos da Vagina”, uma peça dos Estados Unidos que percorre cidades de todo o mundo, e todo o dinheiro arrecadado é doado a instituições que lutam contra a violência contra a mulher, por exemplo.

A apresentação da cantora tem clima intimista. (Crédito: Nathália Pandeló)

Você disse que também compõe. Qual sua principal inspiração para compor?
São várias. Hoje, por exemplo, cantei uma música que fiz para minha avó. Há também outra música, que não cantei aqui, inspirada nas pessoas que desapareceram durante a ditadura militar [de 1973 a 1984], e se chama “Ausentes”. Também cantei “Pasos”, sobre o candomblé. E sobre coisas existencialistas, da vida corrida mesmo, que vão acontecendo no decorrer da vida. Os motivos de inspiração são distintos. O que menos componho é para casais – escrevo pouco, muito pouco. Prefiro escrever sobre outras coisas, porque já existem muitas músicas sobre casais.

Pode falar um pouco sobre os projetos sociais que apoia?
Apoio um projeto de crianças abandonadas por suas famílias, que vivem em uma instituição estatal, como deve haver também no Brasil. Esses meninos compuseram, e muitos cantores do Uruguai colocaram música em suas letras. Gravamos um CD com essas músicas, e todo o dinheiro arrecadado foi para eles, para que aprendam música, se eduquem, e de certa forma se insiram na sociedade. Esse foi um projeto muito mobilizador e muito importante para mim. Depois participei de um projeto para mães solteiras, de poucos recursos financeiros, e também gravamos um disco para poder ajudar essas mães, para que seus filhos nasçam dignamente, em uma boa instituição e que tenham atenção médica de primeira qualidade. E trabalhei muito contra a violência à mulher no Uruguai, tanto nos “Monólogos”, como em uma exposição fotográfica, em que nós, mulheres conhecidas, aparecíamos em alguma situação de violência – golpeadas, sangrando – para mostrar à sociedade que a violência pode estar em qualquer lugar, e pode acontecer com qualquer uma. Não acontece apenas com os outros, pode acontecer comigo também. E foi impactante para as pessoas verem aqueles que costumam ver cantando, ou jornalistas, e vê-los naquela situação as fez refletir. Sempre estou participando daquilo que acho que vai ajudar a construir uma sociedade melhor, mais justa.

É sua primeira vez no Brasil. Gostou do público brasileiro?
Sim, gostei muito, muito. Acho que as pessoas aqui ouvem intensamente. O público foi muito participativo emocionalmente – não sei se só eu percebi (risos). Apesar da barreira do idioma, houve uma ligação muito importante com as pessoas. Estávamos muito felizes, rindo, porque nos sentimos à vontade entre as pessoas, que estavam compenetradas no espetáculo. Houve um senhor que se emocionou muito com uma das canções, sobre minha avó. Apesar do idioma, o maravilhoso da arte é que não precisamos falar o mesmo idioma para sentir as mesmas coisas. Guardo na alma uma recordação maravilhosa dessa apresentação aqui em Petrópolis.

Já esteve em muitos países?
Visitei Grécia, Espanha, agora vou a Itália e Venezuela, estive na Argentina muitas vezes. Já estive em vários países, mas o Brasil, que está tão perto, é a primeira vez. Também já fui ao Chile, e vamos voltar agora. Vou fazer uma turnê pela Europa, fazendo doze shows.

Como o tango uruguaio é recebido em outros países?
Muito bem, pois há circuitos para o tango e festivais em todo o mundo – na Finlândia, na Itália, na Espanha, na França – então já sabem que se apresentarão argentinos ou uruguaios. Somos muito bem recebidos. De alguma forma, sempre notam que há alguma diferença, porque o tango argentino é muito mais alto, com uma orquestra maior e cantores que cantam com mais volume. Acredito que tenha a ver com a personalidade de cada um. Os uruguaios dizem que somos mais tranquilos, mais tristes, mais nostálgicos, e isso se nota na hora de cantar. Sempre notam uma diferença entre argentinos e uruguaios.

Mas é bom que haja diferenças, não?
Sim, claro, é muito enriquecedor.

Como foi receber o título de “Mulher do Ano” no Uruguai?
Foi muito importante, porque foi o primeiro prêmio a ser entregue, e quem votou foi o público. Para mim, o fato de vir do público foi o mais importante, pois podiam votar em todas as mulheres que fazem música no Uruguai. Para mim foi uma honra enorme, que tenham dado o prêmio a mim. Sou muito grata ao público, e a forma que tenho de retribuí-los é continuar cantando.

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