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Coluna Literária

[Especial] E agora, Drummond?

Em 31 de outubro de 1902, um anjo torto envia Carlos para ser gauche na vida. Nasce um poeta em Itabira. Em Itabira, nasce um poeta. Filho de Carlos de Paula e Dona Julieta Augusta, Drummond sai de uma cidadezinha qualquer e vai estudar em Belo Horizonte.

Depois de ter estudado no Colégio Arnaldo da Congregação do Verbo Divino, muda-se para Nova Friburgo onde será aluno do Colégio Anchieta da Companhia de Jesus. É expulso por “insubordinação mental” e tal episódio influenciou sua vida, fazendo com que, segundo ele, perdesse a fé, tempo e a confiança na justiça daqueles que o julgaram. Nem os jesuítas poderiam imaginar que expulsariam um futuro grande poeta, cronista e contista. “Êta vida besta, meu Deus!”.

Para ter um diploma, formou-se em Farmácia, mas nunca chegou a exercer a profissão para “preservar a saúde dos outros”. Como redator-chefe do “Diário de Minas”, publicou seus primeiros trabalhos na seção “Sociais” e mais tarde, fundou com outros escritores, “A Revista”, que teve três edições e firmou o modernismo em Minas. Casou-se com Dolores Dutra de Morais e com ela teve sua filha, Maria Julieta que foi sua grande companheira ao longo de sua vida. Drummond morreu 12 dias depois de sua filha.

O homem das sete faces expressou os grandes acontecimentos do mundo e sentimentos humanos como ninguém. Em “Mãos Dadas”, por exemplo, Drummond nega as atitudes que o tirariam de viver a realidade presente como o sentimentalismo, as drogas, a solidão, o suicídio… Ele enfatiza a importância de viver o aqui e o agora, juntos, de mãos dadas. Já em “Quadrilha”, ele fala sobre desencontros amorosos com uma ironia que lhe é tão característica e que ao mesmo tempo descreve tão fielmente o que acontece na vida.

 “E agora, José?” e “A morte do leiteiro” falam da realidade dos brasileiros. No primeiro, o José representa cada brasileiro (“e agora, José? / e agora, você?”) que vem resistindo à conjuntura da época e está sem rumo, mas que mesmo assim continua lutando diariamente para sobreviver. A presença constante das perguntas representa uma dúvida existencial de como continuar vivendo nas atuais condições. O texto foi publicado na época do Estado Novo (1942), ou seja, a sociedade dessa época foi marcada pela repressão política, más condições de trabalho, modernização industrial, aumento das desigualdades sociais entre a classe opressora e a oprimida. No segundo, é ressaltado o clima de violência e medo em que vivemos, através da morte de um trabalhador honesto (o leiteiro), por ter sido confundido com um ladrão. Infelizmente, no Brasil é assim: primeiro mata, para depois se saber em quem foi, e o proprietário egoísta de má índole é exatamente assim.

O tenso momento histórico, no caso a Segunda Guerra Mundial, desperta em Drummond uma indagação filosófica sobre o sentido da vida, e nesse questionamento ele só encontra respostas pessimistas, mas ele chega a conclusão que o ser humano está sempre lutando para sair do isolamento, da solidão. É aí que ele começa a questionar a existência de Deus.

Além da guerra, Drummond fala também do desenvolvimento industrial, crise social e política, a mecanização do homem, o sistema capitalista a qual ele denomina “Grande Máquina”, que automatiza o homem e não resolve problemas como a fome em “Elegia 1938”.  Elegia significa uma composição poética de cunho triste, com tema ligado à morte e o ano de 1938 foi um período de grande desenvolvimento industrial e crises que seriam precursoras da Segunda Guerra.

Futebol é paixão nacional e devia ser uma paixão do poeta também. Em “A prece do brasileiro”, Drummond começa rezando de um jeito bem formal pelo Nordeste, pedindo para que Deus dê um jeito na fome e nas secas que assolam a região e matam tantas pessoas e animais. No decorrer do texto, ele troca o pronome de tratamento e passa a usar o “você”, pois já se sente mais próximo de Deus, e aí começa um tratamento amigável, bem típico de brasileiro. É um diálogo que mesmo abordando questões sérias mantém um certo humor entre ambos, mas no final, ele acaba mudando para um assunto “mais sério, mais urgente” e pede para que o Brasil vença mais uma Copa (o texto é de 1970), já que independente de qualquer coisa, a vitória na Copa deixaria uma nação inteira feliz mesmo com todos os problemas sérios que a população enfrenta durante uma vida inteira. A prece de Drummond foi atendida e fomos tricampeões nesse ano.

A tranquilidade no cotidiano de uma cidade do interior é retratada em “Cidadezinha qualquer” com uma simplicidade textual que dá exatamente o ritmo de uma cidade interiorana e as saudades deixadas por sua pequena terra natal, são expressas em “Confidência do Itabirano” onde ele fala do que ele carrega consigo de sua terra e que “Como dói!” o fato de Itabira ser só uma foto na parede pare ele.

Um poema que mostra suas angústias e seu pessimismo é “Os ombros suportam o mundo”, onde ele fala da sua desilusão com a vida (“As guerras, as fomes, as discussões dentro dos edifícios provam apenas que a vida prossegue e nem todos se libertaram ainda”.) e que não há mais amor, que a vida apenas segue e as pessoas estão apáticas, pois seus corações estão secos e seus olhos já não choram.

O poeta encontra um consolo ao fazer uma flor brotar do asfalto em “A flor e a náusea” que representa o fim da opressão da realidade. É como se ele estivesse reprimindo coisas ruins por muito tempo e a flor nascendo no asfalto fosse uma libertação, ele respirando e mostrando ao mundo que ainda há esperança.

Em seus primeiros livros, o itabirano tratava o amor com ironia e mais tarde, tentando capturar a verdadeira essência desse controverso sentimento, ele vai passar a retratá-lo como desejo, paixão beirando ao erotismo, como nos poemas de “O amor natural”.

Amar e não ser correspondido é a temática de “Memórias” e em “As sem-razões do amor”, Drummond chega à conclusão que simplesmente não há razão para que amemos uma pessoa, “Eu te amo porque te amo” e isso basta. Nesses poemas o amor é “cantado” de uma forma tão sutil e delicada que contrasta com “Amor – pois que é a palavra essencial”, por exemplo, onde o autor já começa a falar do amor de uma forma erótica e sensual, como nos versos “Amor, guie o meu verso, e enquanto o guia, reúna alma e desejo, membro e vulva”.

Drummond era pornográfico, mas docemente pornográfico.

Já em “Resíduo”, ele fala das coisas que permanecem mesmo depois que morremos. “Fica um pouco de teu queixo no queixo da tua filha”, fazendo menção à hereditariedade, pois de tudo fica um pouco e como ele disse tão bem em “Ausência”, “Não há falta na ausência. A ausência é um estar em mim”.

Os ombros de Drummond suportaram 85 anos nesse mundo, mas embora ele não esteja mais aqui fisicamente, ele ficou. Pois de tudo fica um pouco. E o homem que se recusava a ser o poeta de um mundo caduco, deixou suas palavras findas e lindas que já estão eternizadas.

Marianne Wilbert

Jornalista, pós-graduada em mídias digitais.
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