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Colunas

[Coluna de opinião] Reflexões sobre a cultura petropolitana

(Foto: Mariana Rocha)

por Norton Ribeiro

Para podermos entender o fenômeno do embate cultural vivido na cidade de Petrópolis nos últimos meses, ou mesmo nos últimos cinco anos, o qual muito se tem notado desde as conversas de bares até as redes sociais virtuais, penso que seja necessário discutirmos algumas questões relevantes a fim de contextualizar o problema, contribuindo para que novos caminhos sejam apontados.

Em primeiro lugar, poderíamos dar início à nossa reflexão discutindo o conceito de Cultura:

Desde o início de nossa aventura no planeta através do tempo, quando os seres humanos construíram as primeiras sociedades, tivemos a produção tanto material quanto imaterial com as quais os homens deixaram marcas indeléveis em seus semelhantes e gerações futuras, a qual podemos chamar de Cultura. Ora, as formigas e as abelhas também vivem em sociedades bem organizadas respeitando uma hierarquia própria de sua natureza, mas nem por isso produzem cultura. Não são capazes de transmitir às próximas gerações os feitos e experiências que possam ser vistos como o entendimento de mundo daquela sociedade. Já o homem busca em sua vivência empírica explicações que satisfaçam suas indagações, bem como seu modo de ver o mundo. É uma relação dialética própria de cada sociedade, de sua vivência num dado momento histórico.

 A própria noção do que é a cultura propriamente dita varia através do tempo e de cada grupo social. Assim, no século XIX, já foi bastante difundida a ideia de que esta estaria ligada às características que o homem tem enquanto membro de uma sociedade. Ou seja, este homem estaria preso à sua própria maneira de ver o mundo. Ele receberia toda carga cultural de gerações anteriores, mas que ficaria estática numa estante empoeirada de sua mente, a qual seria convencionado chamar História. Sua própria história de vida pareceria não ter uma ação independente dos grandes fatos históricos e o indivíduo estaria sujeito ao estabelecimento de leis e uma ordem social que conduziriam a sociedade.

Já numa perspectiva mais atual, o conceito de cultura muda radicalmente, pois privilegia o contato social entre grupos sociais distintos, deixando para trás a ideia de que existam manifestações puras desta ou daquela classe social. É também interessante notar que através do contato cultural entre diversos grupos sociais, surge a ideia de ressignificação cultural na qual privilegia-se o aspecto de constante transformação dos conceitos e da visão de mundo. Aqui, então, a cultura torna-se algo dinâmico que a todo o momento avalia a realidade e produz novas concepções desta mesma realidade cultural e moral. Assim, temos uma forma cultural que se situa em todos os lugares, que se utiliza da dominação imposta a ela para se recriar. E, a partir desta recriação constante é que podemos entender a capacidade de sua ação transformadora.

Em nível mais geral observamos que a discussão na questão cultural em Petrópolis tem a ver com uma política inspirada no populismo, anulando os efeitos de dominação que, segundo Pierre Bourdieu ,“…mostra que o povo nada tem a invejar aos burgueses em matéria de cultura e de distinção… num jogo em que os dominantes determinam a todo momento a regra do jogo (coroa, ganho eu; cara, você perde)… As próprias categorias (do Estado) empregadas para pensar a cultura, as questões que lhe são colocadas são inadequadas. O exemplo da língua popular: tanto ela quanto a ‘língua legítima’ só se definem por oposição… Aquilo que é chamado de ‘língua popular’ são modos de falar que, do ponto de vista da língua dominante, aparecem como naturais, selvagens, bárbaros, vulgares.”

A crise, portanto, é fruto de uma produção cultural racionalizada, expansionista, centralizada, barulhenta e espetacular voltada para o consumo que não se manifesta através de produtos próprios e sim através de modos de usar os produtos impostos pela ordem vigente.

Para uma real transformação da sociedade, é necessário que se pense numa política cultural voltada para a emancipação. Precisamos de uma política que vá investir, mas que encare as manifestações artísticas e culturais como processos de melhoria da qualidade de vida, que permita a cada indivíduo assumir seu papel na construção de sua História e que ele possa definir com o poder público seus canais de comunicação. Precisamos conceber a cultura não somente como algo a ser transformado em si mesmo, mas como algo que venha a mudar toda uma cadeia de relações aparentemente desconexas.

Assim, o projeto de um local privilegiado para o desenvolvimento de manifestações artísticas como sendo um debate principalmente político de cidadãos que pretendem deixar um legado para a própria cidade em termos de valorização e respeito aos artistas. Digo político por que um projeto como o Corredor Cultural conseguiu se tornar uma lei através de um movimento cuja pressão se fez sentir no poder público. Detestamos os políticos, mas não a política da qual somos parte em meio nossa polis. Evidentemente que a cultura nascente das ruas não tem hora nem lugar específico, mas em face de anos lutando contra interesses divergentes e o estigma de uma cidade pacata, levou as pessoas a pelo menos indagarem se desejam continuar do mesmo jeito ou não.

Não faz sentido que poder público apenas apresente as vias de acesso se o debate continuar à margem, este deve ser constante. Temos notado que a cultura, em seu aspecto mais geral, é também um caso de saúde pública, pois todos entenderão como acontece uma doença ao invés de saber como vão curá-la. É, do mesmo modo, um caso de segurança pública, pois a violência que assola o país não é somente fruto da pobreza e exclusão social, já que grupos de classe média alta, inspirados por uma mudança de comportamento que supervaloriza as formas do corpo e a força física como o prólogo de um diálogo, matam-se uns aos outros e a inocentes.

Portanto, ao novo governo arrisco-me a dizer que precisamos de uma política interdisciplinar (na falta de um termo melhor) que pense a sociedade na totalidade, como um processo… transformadora.

 assinaturanorton

2 Comentários

  1. Meu caro Norton. com muita propriedade e como um quebra cabeças muito bem montado que faço suas palavras as minhas. E digo ainda que devemos todos pensar e dialogar neste sentido. O mais importante ao meu ver que estas discussões estão servindo para aproximar pessoas incríveis, que se tornam amigas mais ainda pois temos algo em comum, então estamos em comunhão. Penso também que a vaidade é uma grande cilada, pois nela reside o entrave do avanço onde minha ideia tem que ser melhor que as suas. Quando as cabeças pensantes deste movimento e as autoridades gestoras do legislativo e executivo entenderem que sem a mascara desta vaidade desfocada se transformar ou migrar para o campo das realizações benéficas para sociedade, do fruto para a população tanto a que está ávida a beber cultura como as pessoas alijadas à margem deste modelo transformador que é de fato o grande objetivo, o grande agente, o norte de nossos pensamentos e o que queremos de fato. A mudança está apenas começando.

    1. Certamente, Toni. Não podemos também nos deixar cair nesta cilada da vaidade. Abraço.

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