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Com 11 indicações ao Oscar, As Aventuras de Pi continua em cartaz no Mercado Estação

A poesia é como uma criança: parece incompleta, imprecisa, indefinida, ilógica, mas sabemos, ou pelo menos pressentimos, que é nela que habita o que há de mais sincero e vital e que toda transformação do mundo está sempre em suas mãos. A poesia, como a criança, tem a característica – porque da pureza não se pode cobrar a autoridade das qualidades – de saber reencantar o mundo a partir das narrativas mais inverrossímeis, que, no entanto, sempre nos parecem as que contem as maiores verdades – principalmente aquelas que, instáveis, não deixam nunca de ser perfeitas, como o mar.

A infância é a utopia voltada para o passado e já escapou das nossas mãos. A poesia não e, apesar de rara nesse mundo cada vez mais matematicamente elaborado para as alegrias superficialmente artificiais, está ainda no nosso raio de alcance e disponível aos nossos sentidos. No entanto, parece que não sabemos mais como acessa-la, onde encontra-la e por onde busca-la. De tão rara e efêmera, a poesia e sua procura deve ser um objetivo nosso de cada dia. Ang Lee, na sua busca em Aventuras de Pi (Candidato ao Oscar em 11 categorias, incluindo Melhor Filme de 2013), a encontrou.

A beleza no filme reside na capacidade infinita da criação de fábulas a partir de nosso imaginário, conduzindo-nos a milhões de lembranças que nos apontam para todas histórias que ouvimos na infância, mas nenhuma delas podendo ser reconhecidas na figura de Pi. Vamos à sinopse: Piscina é um rapaz indiano, filho de um dono de zoológico que resolve se mudar para o Canadá. Durante o trajeto o navio naufraga e Pi, apelido inventado para si próprio para não ser chamado de Piscina, se vê sozinho em um bote com Richard Parker, um Tigre de Bengala.

A obra nos lembra automaticamente de livros como As Aventuras Robinson Crusoé, Moby Dick, Viagens de Gulliver, O Velho e o Mar e toda essa ficção baseada na relação entre o homem com ele próprio, com o mundo, com a natureza e com o outro. Cada uma, de certa maneira, experiencia os esforços pela sobrevivência não só nos perigos que o ambiente pode proporcionar ao homem, mas também atenta para o fato de que cada um precisa narrar a própria vida para si todos os dias de uma nova maneira, agora reencantada. O mundo encantado que Ang Lee construiu em Aventuras de Pi é talvez resultado das melhores tentativas de narrativa lúdico-ficcional cinematográficas dos últimos tempos.

Sem se preocupar com o realismo e até podendo abusar dos efeitos visuais claramente criados para o 3D, Lee não se prendeu a uma estética ou a uma história, mas conjugou todos os elementos do melhor cinema americano com as narrativas do oriente, meio que filhotes das Mil e uma Noites, para buscar atingir aquele ponto lá de cima: a infância da poesia. Uma obra sem retoques, sem vaidades ou humildades, apenas a vontade de um diretor chegar perto e dizer: “veja minha história, acredite se quiser”. Nesse caso, Ang Lee quase duplica o papel de Piscina, o narrador do filme, ao apresentar a possibilidade de uma outra história, mais real e mais fria, mas que não é poesia e, embora possa ser verdadeira, não tem espaço naquela obra.

As Aventuras de Pi é, talvez, a melhor pedida para aqueles que desejam conhecer um novo cinema que parece nascer. Superadas as crises de gênero e os preconceitos surge um novo caminho que conjuga tecnologia e poesia. A direção se reinventa, o cinema se mostra cada vez mais pronto para o que há de novo no mundo e o público parece aceitar tudo de bom grado. A arte e a poesia agradecem.

O filme permanece em cartaz no Mercado Estação, com sessão às 20h40. Classificação: 10 anos.

Luiz Antonio Ribeiro é dramaturgo e poeta, formado em Teoria do Teatro pela UNIRIO – Univesidade Federal do Estado do Rio de Janeiro, onde atualmente cursa Letras – Português/Literaturas.

 

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