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Aconteceu em Petrópolis

Aconteceu em Petrópolis: A Belle Époque do carnaval petropolitano

por Norton Ribeiro

A virada do século XIX para o XX na maioria das grandes cidades brasileiras marcou seus habitantes de um modo especial. O crescimento urbano, bem como o frenético contato com outras tradições culturais proporcionadas pelo aumento populacional, fizeram com que aquelas pessoas extrapolassem a sensação de modernidade. O Rio de Janeiro, em especial, liderava tal condição por inúmeras razões, mas entre elas, por ser a capital da República e por presenciar a enorme reforma urbana do prefeito Pereira Passos (1902-1906). Pelas ruas falava-se em “vertigem”, na tentativa de explicar a sensação de rápida passagem do tempo.

Foi nesse contexto que surgiu o samba carioca. Na época, diversas tradições musicais estavam presentes na cidade do Rio de Janeiro, como o lundú, maxixe, chorinho, valsa e tango, além do carnaval de rua, e seriam grandes influenciadores na formação do samba.

O Carnaval do final do séc. XIX concentrava, na rua do Ouvidor, o coração das comemorações. No alto das sacadas, as famílias abastadas assistiam aos cortejos das sociedades carnavalescas, grupos de origem burguesa, que faziam crítica à sociedade e adotavam como lema o propósito de “civilizar” a plebe, já que praticavam o verdadeiro cortejo como de Veneza ou Paris. Executavam marchas e óperas e pretendiam acabar com o entrudo, uma festa popular de origem portuguesa, além das brincadeiras de molhar, pintar o rosto e seguir o Zé Pereira, um personagem criado por um português bigodudo que circulava pelas ruas batendo seu tambor.

No clima de uma convivência tensa, o entrudo, as brincadeiras e o carnaval das sociedades burguesas dividiam o espaço público. Havia, dessa forma, uma convivência entre desiguais, algo que contribuiria decisivamente na formação do samba carioca. Apesar desa convivência, o carnaval ficou cada vez mais segregado com a profissionalização dos desfiles, a criação de regras e a aceleração do ritmo dando origem ao samba enredo. Alguns autores, como José Ramos Tinhorão, acreditam que tal segmentação do carnaval tenha acontecido ainda na virada do século XIX para o XX, quando surgiram os primeiros cordões e blocos nos quais os foliões deveriam seguir um grupo cercado por cordas, sob os olhos da polícia pronta, para agir contra algum desavisado que por ventura viesse a atirar seus limõezinhos embebidos de urina em alguma donzela lindamente ornada com sua máscara veneziana. Para Tinhorão, houve uma privatização do carnaval já nesta época, o que hoje chamamos de “abadá”.

confeteA Belle Époque petropolitana

Foto: Mariana Rocha

Bem amigos, e o carnaval de Petrópolis? Sabemos que nossa cidade foi o refúgio da corte nos meses de verão durante o Império, prática que continuou pela República. Assim, os modismos e o ambiente cultural da capital eram trazidos pela elite, marcando o cenário petropolitano. Aqui, entretanto, as festas de ruas carnavalescas, como ocorriam no Rio de Janeiro, levaram um certo tempo para se difundirem, por ser ainda uma pequena cidade em fins do século XIX e uma boa parte da população vir de tradições germânicas ainda mantendo certas manifestações folclóricas em suas festividades. Por outro lado, os concorridos bailes de máscaras iam acontecendo aos poucos nos hotéis da cidade, como o Hotel Bragança. Há também registros de periódicos da época – como O Paraíba e O Mercantil – indicando que havia as famosas batalhas de limões de cera nas ruas no “famigerado” entrudo, reprimido pela polícia. A festa, então, era principalmente das elites veranistas nos salões de baile que viam com desprezo a aglomeração nas ruas da anárquica turba, que se enfrentava em batalhas de esguichos com água, baldes e tinas, molhando uns aos outros.

Outro embate podia ser notado nas ruas, como a “Batalha de Flores”. Segundo o professor Oazinguito Ferreira, esta batalha acontecia em frente ao Hotel Bragança (hoje UCP) e seguia até a praça da Liberdade com carruagens e cabriolets ornamentadas, nas quais as famílias jogavam-se pétalas de rosas. Fotografias do século XIX comprovam esta prática e aqui fica uma questão: teria sido em Petrópolis a invenção dos famosos Corsos que desfilavam pelas ruas do Rio de Janeiro na belle époque carioca?

Já por volta dos anos 1920, o carnaval petropolitano mostrava suas próprias características com muitas batalhas de confetes, fantasias, lança-perfume e o tradicional corso da praça da Liberdade. Os choros (conjuntos regionais) entoavam as canções pelas ruas da cidade, animando os que brincavam e aqueles que simplesmente assistiam. Algo que também marcou o carnaval da cidade foram as sociedades organizadas que saíam às ruas, como os Ranchos e os Índios. Nosso célebre maestro Guerra-Peixe nos conta sua impressão sobre os antigos grupos carnavalescos:

“Os Índios, que no meu tempo de menino me encantavam pelas vestimentas estupendamente coloridas, coreografia enérgica e movimentada e também ruidosa música vocal-percutiva, são grupos que a influência de veranistas, do famoso hotel à beira da Estrada Rio-Petrópolis, o rádio, etc., não conseguiram acabar. Não sei quantos grupos existiam antigamente, mas no carnaval de 1953 fui informado de que ainda subsistiam quatro. Todos eles com aquela curiosa mistura de gente branca [de origem ibérica, principalmente], preta, parda e os às vezes louros descendentes de alemães – estes, de fisionomia germanizada e, assim, metidos naqueles penachos de arara…

No carnaval de 1953 fui a um dos bairros visitar o Grêmio Carnavalesco Estrela do Morin, localizado onde indica a última palavra. Este grupo já existia pelo menos em 1906, quando se denominavam Grupo Carnavalesco Destemidos do Morin, e após diversas vezes mudar de direção e designativo, terminou com o atual nome, que vem desde 1946.”

Gazeta de Petrópolis, 29/12/1894 - Fonte: Biblioteca Nacional
Gazeta de Petrópolis, 29/12/1894 – Fonte: Biblioteca Nacional

Saudosismos à parte, esses talvez tenham sido os melhores carnavais da cidade, guardados nas lembranças dos que ainda vivem e se espantam com todo espetáculo proporcionado pelos tempos atuais. Quem sabe no futuro poderemos inverter tal situação, não copiando a beleza da história, mas nela se inspirando por algo novo. Antropologicamente falando, o Carnaval representa exatamente o momento da inversão social, sem que haja constrangimento ou uma vingança festiva, na qual o pobre se veste de rico, homem se ornamenta como mulher, a prostituta se torna a vedete, Deus e o Diabo partilham da mesma festa.

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