Concer: Maio amarelo
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Criolo: um labirinto místico

O rap invadiu o Café Concerto do Palácio Quitandinha, e não só o rap como a música afro-latina, o samba, e até um estranho bolero. A famosa e cultuada mistura nacional, comum à nossa cultura, também esteve presente no show apresentado pelo poeta/Mc/rapper Criolo, novo destaque do gênero na música nacional.

Desde que lançou, em 2009, seu disco Nó na Orelha, a canção “Não existe amor em SP” se tornou um hit e elevou o músico, que há 25 anos se dedica ao rap, a membro cativo na história da nossa nova MPB. Essa música com letra violenta expõe São Paulo como um buquê de flores mortas em um lindo arranjo, e reflete sobre a sujeira, a margem, o descaso, o abandono que o povo paulista vive, mas não apenas do estado, como também da imensa falta de um norte, de foco, de esperança. É uma cidade, como ele mesmo diz, como um “labirinto místico”, onde “ninguém vai pro céu.”

Criolo, no palco, se metamorfoseia. É estranho, tímido, raivoso, não consegue ficar de frente para a plateia. Tem uma raiva sofrida e um fala doce, um aspecto de um ser quase divino que tenta ser sábio sem oprimir, que tenta mostrar um lado do bem sem que isso gere culpas metafísicas. Criolo propõe uma catarse, uma imersão nas suas canções e só não entra na dele quem fizer muita força para tal.

O show contou com diversas canções do seu repertório como “Bogotá”, “Mariô”, “Freguês da Meia-Noite”, “Lion Man”, “Linha de Frente”, entre outras. Todas as músicas para quem, segundo ele, não está acostumado com sucrilhos no prato.

A terceira tocada, que destaco aqui, foi a genial canção “Subirusdoistiozin” em que, se utilizando da língua comum à periferia, repleta de gírias e novas formas de dizer, ele reinventa a língua portuguesa, as letras de música e, inclusive, a própria linguagem do rap. Não entendeu? Tudo bem, arte não precisa de bula e ele odeia explicar gíria. Tanto o rapper quanto sua banda afinadíssima, liderada pelo produtor musical ex-Planet Hemp Daniel Ganjaman, pareciam dominar os diversos estilos do nosso cancioneiro, além de optarem por uma proposição de engajamento político, de clima quente, que, apesar de parecer estranho ao ambiente do pomposo Quitandinha, não deixou de aquecer o público que, em maioria, conhecia o repertório do cantor.

Criolo, que se utilizava do nome Criolo Doido, mas resolveu tirar o doido, pois a loucura é um caminho que precisa de tempo pra ser percorrido, é a prova, a evidência, o sintoma de que a periferia não é mais um lugar de margem, mas um novo centro que emana o que há de mais interessante na cultura nacional, pois faz arte ainda com vitalidade, visceralidade, sem os vícios e o estilo blasé da Zona Sul, preocupada com uma profundidade que não sai jamais da superfície. Já Criolo, expondo a superfície da linguagem, das imagens fortes, do rap como transformação e reflexão, com seus gestos tortos, suas raivas e sua fala mansa, emociona, desarruma e coloca nossa língua e nossa cultura em outro patamar.

luiz

Luiz Antonio Ribeiro é dramaturgo, letrista, crítico, poeta e flamenguista. É bacharel em Teoria do Teatro pela UNIRIO, onde atualmente é graduando do curso de Letras/Literaturas. É adepto da leitura, pesquisa, cinema, cerveja e ócio criativo. Desde 2011 é membro do grupo Teatro Voador Não Identificado. Facebook: http://www.facebook.com/ziul.ribeiro
Twitter: http://www.twitter.com/ziul

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