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Crítica: Obsessão (The Paperboy, 2012)

Uma frase muito comum de ser ouvida por aí é: “procurar a verdade por trás dos fatos”. Não é possível dizer como tal expressão foi sendo moldada, se pela crença nas histórias de detetive como Sherlock Holmes, ou pelos livros de Agatha Christie, ou até pelo cinema de Hitchcock. Pode-se dizer apenas que ela existe e se desdobra em algumas consequências. Daí fiquei pensando em como ela traz alguns problemas em seu conteúdo, que por vezes passam despercebidos. Ora, dizer que é preciso procurar uma verdade por trás dos fatos significa dizer que o fato não é verdadeiro. Sendo, então, falso, existiria uma verdade que não está aparente no fato que precisa ser descoberta. A grande questão é que, sendo o fato um valor em si, qualquer “verdade” que possa haver por trás, nada mais será que uma narrativa do fato, uma tradução em linguagem. Obsessão (2012), filme de Lee Daniels, leva esse problema às últimas consequências.

Obsessão conta a história dos irmãos Jack James (Zac Efron) e Ward James (Matthew McConaughey) que são filhos de um editor do jornal local. Ward, também jornalista, chega na pequena cidade ao lado de Yardley (David Oyelowo) para investigar a morte de um xerife por um homem chamado Hillary (John Cusack), condenado à morte. Em sua defesa há apenas uma pessoa: a linda, loura e tresloucada Charlotte (Nicole Kidman) que se apaixona pelo réu após trocar cartas com ele da prisão. No entanto, aos poucos a história do assassinato se mostra estranha, já que de um lado, tudo parece conspirar para que ele não tenha sido o assassino; do outro, situações confusas deixam a questão nebulosa. Quem conta toda a história é a empregada Anita (Macy Gray), testemunha ocular de toda situação.

A grande cartada do filme é esconder uma série de questões sociais, políticas, afetivas, íntimas e familiares que estão a ponto de eclodir a qualquer momento. Tudo gira em torno de um viés patético do ser humano que, incapacitado de se encontrar com o outro, faz gestos tresloucados da direção de uma utopia do encontro que jamais se realiza. Charlotte ama homens através de suas cartas, Jack ama Charlotte porque projeta nela sua mãe, Yardley é um negro tentando adentrar o mundo branco, Anita só quer fazer parte da família. Enfim, há todo um manancial temático dando corpus ao roteiro, tornando-o denso, cascudo e preciso.

A escolha dos atores contribuiu especialmente para essa tensão: Efron e Kidman apresentam uma relação meio beat, meio “desbundada”, com um perfume de uma temática à lá James Dean;  McConaughey sempre pontual – profundo e superficial ao mesmo tempo e, claro, Cusack com seu Hillary alucinado, sem freio e fora de qualquer capacidade de dialogar, de se fazer presente, enfim, de ser homem. Por isso, é um dos melhores réus de todos: sua palavra não é de se fiar.

É nesse sentido que disse que procurar “a verdade por trás dos fatos” coloca um problema. Lee Daniels arma uma teia de situações e relações que dizem por si só, e mais, dizem até clara e transparentemente. Apenas os olhos acostumados com aventuras, como os nossos, tentam dizer algo a mais, apresentar um outro ponto, uma desconexão.
Obsessão dá um pontapé em diversas questões da cultura americana e da composição humana, além de nos colocar numa zona de instabilidade bastante frágil, à deriva, em um barco bêbado sempre pronto a escapar.

O filme está em cartaz no Cinemaxx Mercado Estação, com sessões às 14h40 e 19h10. A censura é 16 anos.

http://www.youtube.com/watch?v=QZ3u36B-fYc

luizLuiz Antonio Ribeiro é dramaturgo, letrista, crítico, poeta e flamenguista. É bacharel em Teoria do Teatro pela UNIRIO, onde atualmente é graduando do curso de Letras/Literaturas. É adepto da leitura, pesquisa, cinema, cerveja e ócio criativo. Desde 2011 é membro do grupo Teatro Voador Não Identificado. Facebook: http://www.facebook.com/ziul.ribeiro
Twitter: http://www.twitter.com/ziul

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