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“O problema de Petrópolis é ter passado décadas vendo o crescimento desordenado”, diz especialista

A chuva é um fato corriqueiro em nossa cidade, mas que ainda assim, surpreende. Na madrugada desta terça-feira (22), uma intensa chuva causou problemas de alagamento em alguns pontos da cidade, deixando a população, a defesa civil e a prefeitura em alerta para o verão que virá. Diversos vídeos postados pela internet mostraram aquilo que é fato conhecido e antigo de nossa cidade: não pode chover um pouquinho a mais, que tudo se alaga.

Desta forma, o Portal Acontece em Petrópolis procurou um especialista para esmiuçar o assunto. Daniel Placido, geógrafo formado pela UFF, pós-graduando em Análise Ambiental e gestão do Território pela ENCE/IBGE, concedeu uma breve entrevista sobre a relação entre população, chuvas e governos. Como já trabalhou com impactos ambientais urbanos em Petrópolis e atualmente atua na Subsecretaria de Habitação de Duque de Caxias, na construção de banco de dados ambiental e socioeconômico para identificar as demandas e alternativas para o município, Daniel é capaz de perceber objetivamente aquilo que só vemos claramente quando se materializa.

O fato é que a chuva não existe só quando chove, ela faz parte de um processo natural e, por conta disso, toda a sociedade civil deve estar envolvida tanto na prevenção quanto na busca de soluções para o problema. Confira a entrevista com Daniel Placido na íntegra:

Aep: Na madrugada desta terça-feira (22), um temporal rápido causou alagamentos no Centro e em diversos pontos de Petrópolis, como um ensaio de como será o verão que se aproxima. Na sua opinião, o que mudou desde a última tragédia na cidade em relação a prevenção de enchentes?

Daniel: As mudanças ocorridas no município desde a última tragédia até o momento foram mínimas, a única mudança foi a criação do sistema de alerta de enchentes em algumas comunidades de Petrópolis, ou seja, não tivemos mudanças visando a diminuição dos impactos das fortes chuvas em Petrópolis, apenas projetos visando a adaptação em relação a desastres naturais. Não vejo como um problema a questão da adaptação, esse tipo de protocolo ocorre em várias regiões do mundo para uma série de desastres diferentes, como terremotos no Japão ou tornados nos EUA. O problema de Petrópolis é ter passado décadas vendo o crescimento desordenado, ocupação de áreas de risco e intervenções nos canais sem que o poder público interviesse ou cumprisse a legislação vigente. Petrópolis possui um ordenamento territorial desde o século XIX, os deslizamentos de terra e inundações já são conhecidos desde a fundação da cidade, a diferença é que agora temos moradias em áreas que deveriam ser preservadas.

AeP: Sempre que pensamos nas enchentes e em todos os danos causados por elas em Petrópolis, parece muito claro que todos sabem quais são os problemas e as soluções. Ainda assim, por que parece tão difícil tornarem práticas as ações que solucionariam a questão definitivamente?

Daniel: O principal motivo que inibe a solução dos problemas ambientais em Petrópolis é a falta de uma estrutura governamental que não fique na dependência de programas de governo e mudanças de filosofias partidárias. Não há um diálogo entre os órgãos públicos e sociedade civil. Não há na cidade uma universidade com capacidade de pesquisa e interlocução para produzir relatórios e debates que apontem um caminho para redução desses impactos.

AeP : Ouvi uma vez um teórico dizer que o Brasil é o único país que ainda se surpreende com fenômenos naturais. Você acha que ainda existe uma ideia de que enchentes, deslizamentos e todas as consequências das chuvas são “acasos da natureza” ou esse discurso é somente fala de políticos e pessoas mal intencionadas?

Daniel: O discurso alarmista de aquecimento global em um curto prazo se soma à ideia equivocada de “acasos da natureza”. Atualmente, podemos achar que as tragédias tem sido maiores, mas o que podemos afirmar é que há um número cada vez maior de pessoas em áreas irregulares, o que aumenta drasticamente o impacto ambiental e os danos sociais e matérias nas cidades serranas, em especial em Petrópolis. Quando olhamos para o bairro de Araras, com uma densidade demográfica menor, o impacto das chuvas também se mostrava menor, mesmo tendo as mesmas características climáticas. Atualmente, com o adensamento de algumas localidades o grau de danos à população também evoluiu.

AeP: Na sua opinião, quais ações emergenciais poderiam ser feitas para evitar, a curto prazo, que mortes aconteçam ainda esse ano por conta das chuvas?

Daniel: Em especial, o 1° distrito de Petrópolis sofre com dois problemas distintos e interligados que são as inundações, sobretudo, no centro da cidade, e os deslizamentos. Deslizamento de terra em Petrópolis é um processo natural e inevitável devido às características geológicas e climáticas. É indispensável que, num primeiro momento, o poder público retire as pessoas que estão em áreas de risco, o que reduziria uma série de problemas. A questão habitacional é uma demanda do município, entretanto é preciso a integração de órgãos públicos e a sociedade civil para implementação dos projetos. É preciso captação de verbas públicas em nível federal e estadual, mas apenas obtenção de verbas não é suficiente. É preciso a cooperação da Defesa Civil, universidades, em especial aquelas que possuam pesquisas, investimento em serviços públicos e infraestrutura social, fiscalização efetiva para coibir novas construções, atuação da secretaria de meio ambiental para estruturar um plano de recuperação de área degradada e o fortalecimento da sociedade civil organizada. Quando pensamos em sociedade civil organizada o maior importante é a livre iniciativa das pessoas que sofrem esse impacto, e não restringir-se a filosofia de organizações não governamentais “que importam” maneiras de pensar. Por fim, precisamos tirar das gavetas os estudos existentes e discuti-los em âmbito coletivo para criar alternativas viáveis para que em pouco tempo haja alguma mudança na qualidade ambiental e na redução dos danos no período de verão.

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