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Coluna Literária

[Coluna literária] As Duas Guerras de Vlado Herzog – Audálio Dantas

Nesta semana, foram anunciados os vencedores do prêmio Jabuti e e na categoria melhor não-ficção o vencedor foi a obra de Audálio Dantas, “As duas Vidas de Vlado Herzog”, que conta a história do jornalista Vladimir Herzog, morto nos porões da ditadura.

A ditadura tem mil faces. Nunca se sabe de onde olhá-la, por onde olhá-la ou através de que prisma olhá-la. Sabe-se apenas uma coisa: é preciso revê-la sempre, para impedir que ela se repita. Quem costuma fazer isso com toda a credibilidade e ousadia investigatória do mundo é o jornalismo e, justamente por isso, quando a ditadura se volta contra a imprensa, que o buraco fica mais embaixo e, como se diz, o bicho pega. Nesse caso, estamos falando apenas de um fato que, multiplicado pela dimensão e pelos homens de fibra desse país, se torna exemplo e deve servir de referência para todos nós. Esse caso é o do jornalista Vlado Herzog.

As Duas Guerras de Vlado Herzog – Da perseguição nazista na Europa à morte sob tortura no Brasil é uma biografia feita por Audálio Dantas, ex-presidente do Sindicato dos Jornalistas de São Paulo, sobre a vida do seu companheiro de profissão, morto nos porões do DOI-CODI sob tortura após ter se apresentado voluntariamente para responder a perguntas. Audálio, testemunha do que aconteceu na época e um dos líderes da batalha judicial que visa a condenação da União pela morte de Herzog, é a pessoa apropriada para tal pesquisa, pois como diz Juca Kfouri na contracapa do livro, ele escreve e é inscrito pela história daquele passado.

O livro começa com a perseguição dos Herzog na Iugoslávia pelos nazistas e a decisão da vinda para o Brasil. Posteriormente, conta como Vlado adota o Brasil, inclusive vertendo seu nome para o popular Vladimir em nosso país. Avança também relatando a educação do rapaz, seu interesse gradual por livros e pelo jornalismo, até o ingresso na profissão, começando pelos jornais e revistas, chegando até diretor da TV Cultura, de concessão pública.

Paralelamente a essa vida pessoal de Herzog, o livro acompanha o avanço da ditadura e o crescimento da repressão por parte dos militares que haviam participado do golpe de 64. Fica claro como os presidentes-generais, mais que pisar em ovos, estavam na corda banda entre agradar a linha dura e ter de guiar um Brasil numa “democracia”, como eles insistiam em dizer que era o tal regime. Torna-se evidente para quem lê a obra que há um movimento duplo de distensão e repressão que se alternam, tendo como alguns pontos chaves o AI-5 e a reação à morte de Vlado.

É o que se expõe no caso de Herzog: a linha dura tentava apertar o cerco enquanto que a imprensa e o MDB (partido de “oposição” ao ARENA, composto pelos apoiadores) buscavam avançar no processo democrático. Por conta do mal estar com o governo de São Paulo, o General Geisel é obrigado a apoiar os sequestros e torturas. Vlado é chamado de comunista, de agente da KGB e, sob tortura, é feito assinar uma prova de sua própria culpa: morre pelos porões e o laudo diz que se tratou de suicídio. É aí que a reação de Audálio e dos demais jornalistas se dá: um ato ecumênico que envolve 8 mil pessoas, inclusive os estudantes, notas para a imprensa e o processo da família sobre a união.

É nsse sistema de uma batalha em que se perde território, como no futebol americano, que Audálio Dantas coloca a situação de briga da imprensa com a ditadura: uma zona movediça que em alguns momentos é bom calar, mas que em outros se pode estender os braços até zonas inexploradas. Assim, foi se garantindo gradualmente que a verdade pudesse vir à tona para que, num fim desejado por todos, se chegasse ao tão caro sistema democrático que muitas vezes ignoramos.

As Duas Guerras de Vlado Herzog – Da perseguição nazista na Europa à morte sob tortura no Brasil é um livro de um profundo fôlego jornalístico e se em alguns momentos passa do ponto é pela pura necessidade de que a verdade seja dita acima de todas as outras versões. De qualquer forma é uma excelente obra para nossa reflexão sobre os anos de chumbo e de como todos, de certa forma, fizeram o possível para sobreviver e fazer com que os seus sobrevivessem. Cada livro sobre o tema abre gradualmente novas partes para que, ao fim, completamente aberta se chegue na tão esperada paz, tanto para nós vivos, quanto para aqueles que morreram por nós e pela nossa liberdade.

luizLuiz Antonio Ribeiro é dramaturgo, letrista, crítico, poeta e flamenguista. É bacharel em Teoria do Teatro pela UNIRIO, onde atualmente é graduando do curso de Letras/Literaturas. É adepto da leitura, pesquisa, cinema, cerveja e ócio criativo. Desde 2011 é membro do grupo Teatro Voador Não Identificado. Facebook: http://www.facebook.com/ziul.ribeiro
Twitter: http://www.twitter.com/ziul

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