Tem gente que é mais gente que os outros. Isso é uma certeza que eu tenho. Não que ela seja mais humana, mais verdadeira, mais completa, é só que ela tem o talento, coisa que vem pra poucos, de ser uma legião dentro de um.
Era teu caso, Ariano, que hoje, ao morrer, é todos eles menos um, você. Pois sim, você a partir de agora perde o inalienável direito de ser uma pessoa e passa a ser todas as personagens que você criou. Agora você é, ao mesmo tempo, João Grilo – o esperto, que sabe se livrar de toda enrascada, e Chicó, o medroso mais encantador de todos; aquele que conta histórias mirabolantes de cavalos bentos, de papagaios padres, de bicho que tem homem.
Agora, você também é Severino, o seu cangaceiro assassino que teve seus pais mortos por policiais e enlouqueceu e que no final é salvo por Jesus. Aliás, Ariano, agora você é também o teu Jesus, aquele mesmo pretinho e queimadinho do sol, que todos se espantam, mas só teu João Grilo tem coragem de dizer.
Você, Ariano, virou teu padeiro e sua mulher. Teu padre e teu bispo. Teu sacristão e teu palhaço. Você, agora, é todos eles, mas é, principalmente, também nós. Você, de hoje em diante, é parte intocável do teatro e da literatura brasileira. Você se torna um imortal, um homem pra ser lembrado, estudado e celebrado.
Em uma entrevista no Programa do Jô, em comemoração aos seus 80 anos, você disse:
“Se recebo tantas homenagens ao fazer 80 anos, imagina quando eu fizer 160.”
Eu ri, Ariano, e na mesma hora, pensei ser possível, te ver aos 160 anos de idade dizendo: “eu avisei que chegaria lá.” A verdade é que agora você pode ter quantos anos quiser, você pode, inclusive, voltar pra sua terra, Taperoá, na Paraíba e de lá, da cadeira de balanço, passar a contar teus causos para os animais de sua fazenda – seu cavalo bento, sua cachorra (quase) benta e todos os bois e garrotes que você conseguir apartar.
Agora, Ariano, pra você, a sua oração, que sai das suas bocas pra boca de Chicó, e volta como um agradecimento por tudo que você deu para nossa cultura:
“É verdade, Suassuna morreu!
Cumpriu sua sentença e encontrou-se com o único mal irremediável, aquilo que é a marca de nosso estranho destino sobre a terra, aquele fato sem explicação que iguala tudo o que é vivo num só rebanho de condenados, porque tudo o que é vivo morre.”
Luiz Antonio Ribeiro é formado em Teoria do Teatro pela UNIRIO, mestrando em Memória Social na área de poesia brasileira e graduando do curso de Letras/Literaturas. É adepto da leitura, pesquisa, cinema, cerveja, Flamengo e ócio criativo. Em geral, se arrepende do que escreve. Facebook: http://www.facebook.com/ziul.ribeiro Twitter: http://www.twitter.com/ziul