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[Coluna de opinião] Nós, brasileiros, somos todos conservadores

O resultado das eleições, embora tenha como final nenhuma mudança prática, gerou muitos comentários de todas as classes e todos os tipos. Ódio, rancor e deboche são apenas pequenas palavras para expressar tudo que se passou nas poucas horas após o fatídico e esperado anúncio do vencedor. Para mim, olhando para todos, sem distinção, só há uma conclusão: somos todos conservadores.

Nosso espírito de conservação está em todos os lugares. Nossa elite financeira é conservadora com suas roupas cafonas, suas empregadas vestidas de branco cuidando de seus filhos e seu linguajar de salão de cabeleireiros. Nossa elite intelectual é conservadora porque nutre um ódio da classe média, da qual em geral faz parte, sem sequer saber o motivo. Marilena Chauí ainda ser uma pensadora referência é marca de como nossa tendência ao que “já está aí” é mais forte.

Nossa música popular brasileira ainda se vê adversa à guitarra elétrica e tem imensa dificuldade de sair da low vibe pós-bossa nova, ritmo, aliás, em que se percebe pressão baixa e energia, pouca técnica e nada muito inovador. O próprio gênio João Gilberto optou por se conservar eternamente em 1959 com o lançamento de “Chega de Saudade”. Nossa Tropicália é conservadora porque seus líderes Caetano e Gil, depois de um exílio na Europa, voltaram prontos para excluir do movimento um de seus mais criativos e inovadores membros: Tom Zé. Tom Zé se conservou ao resolver ser frentista de posto de gasolina e só voltar à música após o resgate de Byrne.

Do outro lado, nossos roqueiros mais radicais votam em Aécio, não usam mais drogas e viram pupilos de homens como Olavo de Carvalho. Nossas bandas tem prazo de validade, Rogério Skylab ganha programa no Multishow, Arnaldo Baptista não aguenta a barra e vai para outro mundo, e Rita Lee perde um patrocínio milionário porque mostra a bunda em show (e esta é a grande notícia.)

Somos todos conservadores porque Paulo Leminski recebeu silêncio durante toda sua vida e só ficou conhecido quando, depois de morto, a Cia das Letras resolveu lançar um livro seu de capa laranja e torná-lo ídolo teen. Mais conservador impossível. Roberto Piva, então, nunca será lido por nosso país. Nossa literatura, por sinal, tem como gesto mais radical ainda o de Machado de Assis.

Nosso modernismo é paulista e careta demais, voltado somente para salões e debates em restaurantes caros. Tarsila desenha o nordeste de São Paulo, a antropofagia vira um conceito abstrato, que permite qualquer barbárie conservadora e, o mito Mário de Andrade, que viaja o Brasil numa etnografia ampla, produz um Macunaíma que mais do que refletir nosso povo, vira referência para ele, produzindo eternamente figuras como Lula. Euclides da Cunha ninguém tem saco de ler e Maria Martins, quem? Aquela que pegou o Duchamp? Flávio de Carvalho para sempre andando contra a corrente das velhas católicas.

Nossos jornalistas esportivos ainda abrem seus programas falando que “fizeram campanha” para uma candidata como Dilma, embora tenham passado quatro anos criticando toda organização da Copa, toda conivência governamental e tendo sido um dos pioneiros a  defender o Bom Senso F.C. Enquanto isso, os Juca Kfouris morrem de medo de serem vistos como direitistas e fazem vista grossa a tudo que os outros dizem. Em outros canais, futebol festivo, carnavalesco, com tudo perfeito ou debates acalorados para o nada.

Somos todos conservadores porque todas as nossas opções são para trás: nossa nova política é uma espécie de mexidão requentado de outras frentes políticas. Nossa oposição do PSDB morre de medo de ser realmente uma nova opção, então dá dois passos pra frente e um para trás. Nosso PT parece ainda morar nos sindicatos e só conhece o aparelhamento estatal como forma de política, marxismo cultural para sociedade, capitalismo de estado interno. Nosso povo não decide se quer ser americano que sonha com Cuba ou cubano que sonha ir para os Estados Unidos. Na dúvida, guardamos rancor pelos dois e não aprendemos nada com a experiência da União Soviética.

Nossos movimentos sociais não sabem o caminho a tomar. As feministas não decidem se odeiam mais as feministas de outras frentes ou os homens, não chegam nunca a um movimento sem ódio e, assim, as mulheres são as que mais perdem. A marcha das vadias está repleta de uma elite financeira e intelectual que, em geral, só sai com meninos com perfil Los Hermanos, barbinha, oculozinhos e bem comportados. O movimento LGBT não consegue pensar junto, aumenta sua sigla cada vez mais e daqui a pouco vai criar uma palavra maior que inconstitucionalissimamente com sua homolesbotransfobia.

Xingamos o nordestino de pobre burro e o sulista, de alemão fascista. Fazemos questão de não ser nenhum deles. Nem índio, nem preto também. Ser branco também dá uma dor na consciência. No fundo, é melhor não ser nada ou ser qualquer coisa, dependendo do caso.

Somos todos conservadores porque não temos perspectivas. Só agimos pela contingência, numa polis urgente no agora, na necessidade de ocasião. Ficamos meses fazendo manifestações e nada mudou. Ficamos meses fazendo campanha política e nada mudou. No horizonte, a mesma coisa de 500 anos: um povo dócil, festivo e que gosta de mostrar o corpo. Nos bares, os copos; nas praias, os corpos. De resto, apenas nós, os brasileiros, conservados eternamente em um banho-maria existencial.

luizLuiz Antonio Ribeiro Formado em Teoria do Teatro pela UNIRIO, mestrando em Memória Social na área de poesia brasileira e graduando do curso de Letras/Literaturas. É adepto da leitura, pesquisa, cinema, cerveja, Flamengo e ócio criativo. Em geral, se arrepende do que escreve. Facebook: http://www.facebook.com/ziul.ribeiro Twitter: http://www.twitter.com/ziul

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2 Comentários

  1. Achei muito legal sua análise, Luiz, mas discordo em um ponto importante. Você ressalta que fizemos manifestações nas ruas e nada mudou. Eu creio que mudou. Uma nova mentalidade e uma nova maneira de nos vermos como atores sociais e políticos se manifestou naquele momento e se tornou indelével na antropologia brasileira. Movimentos como esses – de grande amplitude e espontaneidade, independentemente dos rumos que tomou ou das pessoas/grupos que tentaram aproveitar-se dele – são marcas históricas de extrema importância. Essa mentalidade, quando se estabelece, possui inércia própria, verdadeiramente histórica, que gerará frutos ao longo dos tempos. Para onde vai, ainda veremos. Mas eu, particularmente, vejo os resultados atuais e futuros das manifestações de maneira positiva, do ponto de vista dessa mesma antropologia brasileira. Continue pensando e nos ajudando a pensar. Criticar e pensar sempre é bom. E obrigado por sua análise.

  2. Isso não foi bem uma análise, né? Mas para um desabafo. O texto todo parte do princípio que cada opinião sobre cada pessoa citada seja já consensual. Não explica muito coisa. Mas talvez seja essa a norma dos blogs em geral.

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