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Cinema

“A caverna dos sonhos esquecidos” – Werner Herzog

Não é incomum ouvirmos por aí que precisamos procurar no mais profundo de nós, a resposta para as grandes questões que permeiam nossas vidas. É bastante normal ouvirmos falar também dos mergulhos para dentro de si ou da imersão nas cavernas do imaginário para obtenção das respostas tanto para o cotidiano quanto para a vida espiritual. Dostoiévski, em sua obra Notas do Subsolo, retrata um homem que, com uma profunda vida interior, anda sempre em desacordo com a exterior, porém, apesar disso, sabe que é essa vida interna que precisa submergir, vir para fora, para que todos tomem conhecimento e possam conhecer tanto aos outros como a si próprios, de uma forma completamente distinta.

Faço essa introdução porque não creio que Werner Herzog, o grande diretor de O Enigma de Kaspar Hauser (1975), Woyzeck (1979), O Homem Urso (2005), entre outros, tenha escolhido documentar pinturas das cavernas do sul da França aleatoriamente, apenas pela sublime beleza estética. Creio, e o documentário parece concordar comigo, que há naquelas grutas algo que revela algo muito relevante sobre nós e que precisa, mais do que nunca, saltar às nossas vistas, como em um impulso de reconhecimento do hoje pelo ontem.

Caverna dos Sonhos Esquecidos (2010) é sobre a descoberta de uma imensa caverna no sul da França por três arqueólogos que após algumas pesquisas, vieram a revelar que se tratam das mais antigas pinturas rupestres encontradas até então, com desenhos que datam de mais ou menos 32 mil anos atrás. Herzog, interessado na descoberta, vai até lá e faz um documentário em 3D onde revela traços dessa pintura e tenta dar conta da multiplicidade de temas e histórias que pululam do interior desse ambiente até então desconhecido.

A beleza da caverna, denominada de Chauvet, nos mostra um passado barroco, cheio de dobras, frinchas, frestas, veias, artérias e erosões e, se é verdade que o conceito de origem está ligado à ideia de salto, ou seja, de encontros abruptos de temporalidades, ao contrário da gênesis que ligaria à criação, é possível ver Chauvet como um imenso receptáculo desse barroquismo natural. É impressionante ver como, de certa maneira, as formas dos homens, dos animais e das cavernas eram apenas compósitas de uma única coisa, como se sensualmente eles fizessem parte do mesmo organismo vivo. A caverna, então, se torna uma cápsula do tempo, onde se pode mapear uma forma de homem que, em alguns momentos, pode se aproximar bastante do modo como nos identificamos atualmente.

Como exemplo disso, posso destacar as pinturas que, como conta Herzog, eram construídas à luz de fogueiras, ou seja, que lidavam com os movimentos das chamas do fogo, que em luz e sombra, compunham uma imagem sempre móvel, pulsante e de uma fluidez rara. Junto a isso, havia pinturas cujos temas davam a ideia de movimento, como animais desenhados com oito patas, como se representassem ações que poderiam ser vistas como uma espécie de um proto-cinema em que frame a frame apresentassem móveis figuras. Herzog compara essas imagens dançantes como a clássica cena em que Fred Astaire dança com a própria sombra e reconfigura a visão que temos tanto de corpo quanto de sombra, abrindo-se a novas significações.

Para a completa captação desse ambiente desconhecido, foi feito, a partir da técnica de scanners a lasers, o mapeamento completo e minucioso de toda a caverna. Contudo, como diz um dos cientistas, a intenção não é apenas científica, mas histórica, de que com a construção da caverna se pudesse também reconstruir imagens, tramas, fatos, e assim, se imaginar formas de vida desses seres. A reconstrução do passado, para eles, não tem estatuto de verdade, mas de criação e transubstanciação de matéria – pedra, água, ossos – em história – vida, corpo, espírito.

O que fica claro no filme, é que há um exercício criativo de artistas, cientistas, arqueólogos e paleontólogos em imaginar esses homens pré-históricos e assim, conseguir entender o nosso presente. Como se chegando ao ponto mais longínquo do que somos aprendêssemos a pensar o mais modernos de nós. Para isso, é genial a utilização de 3D por Herzog como se toda a humanidade estivesse ligada por duas pontas: o nosso maior passado com nosso maior presente. A técnica 3D é, então, essa religação de pontos na história onde por frestas e vilosidades podemos ver como eram nossos coirmãos.

Essas obras, todas sem autoria, abrem uma pequena exceção, singela: foram encontradas pinturas em que a marca de um sujeito ficou clara por um pequeno motivo, um mindinho torto. Esse detalhe que dá a marca da autoria desse homem, elevado ao status de artistas, representa o que um cientista chama de “fluidez e permeabilidade” daquela civilização: não existiam homens, árvores e animais, mas apenas um estado das coisas, que móveis, podiam se transfigurar, ao mesmo tempo em que, alguns seres, podiam se contatar com espíritos, deuses e formas extraterrenas. É essa vida mágica, pulsante que Herzog quer entender e assim mapear um movimento. O que vemos é essa movência que retrata a humanidade nos seus aspectos mais rústicos, animalescos, materiais e busca nos elevar a patamares sagrados e celestiais.

Caverna dos Sonhos Esquecidos é como nossa memória mais antiga, como um sonho de que esquecemos, mas que nos deixa no corpo uma breve e fugidia sensação.


luizLuiz Antonio Ribeiro é formado em Teoria do Teatro pela UNIRIO, mestrando em Memória Social na área de poesia brasileira e graduando do curso de Letras/Literaturas. É adepto da leitura, pesquisa, cinema, cerveja, Flamengo e ócio criativo. Em geral, se arrepende do que escreve. Facebook:http://www.facebook.com/ziul.ribeiro Twitter:http://www.twitter.com/ziul

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