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Crônicas

[Crônica] Reflexões de um picolé: De onde vem nossa nacionalidade?

Esta reflexão nasce de um palito de picolé. Exatamente! Muitas vezes são as menores e mais irrelevantes coisas que são capazes de gerar aquela centelha que chamamos de ideia em nossa cabeça e produzir as mais interessantes reflexões sobre o mundo. Conto este caso:

Comprei um picolé em um passeio calorento pelas belíssimas tardes de nossa cidade e, ao final, me deparo com um curioso palito. Havia nele a marca do sorvete, o site do sorvete, um aviso sustentável “madeira de reflorestamento” e, logo abaixo, dois coqueirinhos. Ignorei todos os outros elementos contidos, pois todos me pareciam apenas questões de margem para o pequeno desenho dos coqueiros. A pergunta que ficava era: por que a imagem dos coqueiros? Por que a necessidade dessa imagem? Em que ela contribui e o que leva a empresa a desenhar coqueiros em seu palito? De que maneira esses coqueiros podem representar mais do que simplesmente uma decoração?

Neste momento, as questões já fervilhavam em minha cabeça e, aos poucos, meu pensamento conseguiu clarear alguns dados relevantes sobre o tema. A primeira coisa que aponto é um conceito de nacionalidade bastante interessante levantado pela teórica Marilena Chauí. Ela destaca, na obra Mito Fundador e Sociedade Autoritária (e em diversos artigos publicados sobre o tema) que toda nossa concepção de Brasil está baseada na imagem de criação de país composta nas cartas de Pero Vaz de Caminha ao Rei de Portugal. Segundo ela, toda nossa concepção de povo e nacionalidade é uma eterna repetição dos elementos inscritos na carta como: país paradisíaco, natureza perfeita, composição de um verdadeiro Jardim do Éden, pessoas dóceis e felizes, de moral frouxa e sexualidade livre. Para Pero Vaz, essa gente deveria ser salva.

O que quero destacar é: TUDO que pensamos como “naturalmente” brasileiro foi escrito por um português em uma carta-relato, um compósito de imaginação de uma individualidade. Incapazes de encararmos essa natureza para subjugá-la para uma ordem do racional, do que é possível e justo, o que fazemos a todo momento e sem contestação é dar razão à carta. Quantas vezes não dizemos “ah, mas o Brasil é isso mesmo…”, “nós somos um povo receptivo, que gosta de receber, alegre…”, ou “aqui nós somos mais livres, mais comunicativos e temos uma quentura nas pernas, ao contrário do povo frio.” E isso pode se alargar para uma cultura meio “macunaímica” em que passamos também a concordar com os conceitos modernos antropofágicos que, em alguns casos, resulta em algo ressentido, inferiorizado e pouco claro em suas propostas.

Enfim, como disse, o palito me suscitou diversas questões! O que quero mostrar aqui, no entanto, é como reproduzimos essa imagem do Brasil nas pequenas coisas de nosso cotidiano e, meio que sem perceber, corroboramos com toda essa ideologia sem sequer questioná-la. Veja bem: não acho que seja preciso discordar de nada disso, talvez tudo seja realmente algo positivo, como defende Jorge Mautner ao destacar as belezas do amálgama brasileiro, entretanto, creio que o problema todo está no fato de que isso é recebido como natural e, nesse caso, a naturalização é, como sempre, um vilão.

Para corroborar isso que digo, quero, além do palito, dar mais um exemplo:

muros_11

Foi colocado pelo estado do Rio de Janeiro, nas margens da Favela da Maré, um muro que separa e divide a estrada das casas. Como as casas são na beira da rua, parece-me que ficava feio para um país que vai receber grandes eventos possuir uma imagem assim tão feia, de casas pobres e ainda nos tijolos, expostas aos olhos de todos. Com uma transparência, foi construído este muro. Nele, foram colocados desenhos feitos por crianças em espaços de pintura. Alguns dizem que o muro serve para que se evite que o som chegue até as casas e melhore a qualidade de vida da população da favela – mas… é possível confiar nisso? Não sei. O que quero mostrar nesse caso é que, entre essas transparências, foram feitos alguns desenhos que simulam o Pão de Açúcar, grande monumento da cidade. E essa simulação é justamente os trechos escuros do muro, aqueles que impede que vejamos o que está para além dele. Para resumir, o que vejo é um instrumento de beleza natural da cidade sendo utilizado como mediação entre a violência do estado e uma baixa qualidade de vida de uma população de margem.

Este é apenas um, pois os exemplos são vários, já que em todos os cantos de nosso país, não importa a área ou a atividade, estão sempre mostrando o Brasil como um lugar de curvas, belezas e simpatias. Creio que esse diagnóstico é bastante simples de se chegar e reflete muito de nossa dificuldade de encararmos nossa nacionalidade com seriedade: todos os nossos conceitos de Brasil são culturais, assim, enfrentar a cultura é enfrentar o Brasil e praticamente, ser um traidor. O que precisávamos era de uma capacidade de reinventar nossa nação por dentro dela mesma, tornando nossa cultura algo em que mais coisas são possíveis, além do mais do mesmo que repetimos, escrito 500 anos atrás.


luizLuiz Antonio Ribeiro Formado em Teoria do Teatro pela UNIRIO, mestrando em Memória Social na área de poesia brasileira e graduando do curso de Letras/Literaturas. É adepto da leitura, pesquisa, cinema, cerveja, Flamengo e ócio criativo. Em geral, se arrepende do que escreve. Facebook:http://www.facebook.com/ziul.ribeiro Twitter: http://www.twitter.com/ziul

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