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Colunas

[Na mente de um Strudel] Ensaio sobre a amargura

por Rafael Studart

Foi assim. Numa quarta-feira. Podia ter sido num dia mais interessante, mas não. Foi numa quarta-feira. A ruiva se aproximou do balcão de uma confeitaria da qual era cliente e pediu um cafezinho. Surpreendeu-se quando ele veio com um biscoito amanteigado em vez do habitual pedaço de chocolate. Perguntou o que havia ocorrido. “O fornecedor não entregou os chocolates”, foi o que ouviu como resposta.

O pai com três pintas no rosto acordou cedo e foi preparar o café da manhã de seu filho. Não encontrou o achocolatado em lugar algum. Em vez disso, fez suco de tomate com o que tinha na geladeira. O filho esperneou e o pai com três pintas não soube o que fazer para remediar seu rebento inconformado.

Sentado num banco de praça estava um casal de jovens. O rapaz de terno e a garota de vestido. Ele estendeu uma caixa que parecia ser de bombons. Ela a abriu e seu sorriso se fechou, ao se deparar com um completo vazio. Pensou que fosse alguma piada do rapaz. Pegou a caixa, bateu com ela contra a cabeça dele algumas vezes, enquanto praguejava, e o deixou acompanhado apenas de sua incompreensão.

No alto da trilha, o líder dos maratonistas deu a pausa para o grupo repor suas energias. Três pessoas do grupo criaram confusão quando notaram que suas barras de chocolate não estavam na mochila. O clima ficou tenso, acusações de alto calibre foram disparadas, dois socos desferidos, um iPhone quebrado, novos socos, alguns chutes e lama, tudo misturado. Eventualmente, atribuíram o furto a um mico ou a algum outro animal selvagem e preferiram trilhar de volta para casa.

Pouco a pouco as pessoas foram percebendo o insólito: o chocolate do mundo havia acabado! Não sabiam quem, ou o quê, culpar pela tragédia. Os que acreditavam que a culpa de suas espinhas, ou excesso de peso, vinha dele ficaram felizes. Mas a maioria se entristeceu. Afinal, como apaziguar uma TPM irremediável? E as crianças? Ficariam a base de biscoito maizena?

Viver num mundo em que o sorvete napolitano só teria dois sabores, sendo um deles o de creme, parecia um prognóstico sombrio demais.

Os que entraram em processo de negação se abasteceram de chocolate branco, os raivosos vandalizaram as casas de doce com pichações como “Bombas de chocolate sem chocolate!”, “O fim do cacau é o início do coco!”, jogando com a ironia e a escatologia, dependendo da compreensão de cada um.

Aqueles que barganharam foram em busca de qualquer pó de chocolate que ainda pudesse existir, mas acabaram comendo raspas de madeira com açúcar mascavo. Já os deprimidos recorriam a remédios como Meloxicam, que, embora fosse para artrite reumatoide, vinha com um “m” minúsculo nele. Por fim, sobraram os que aceitaram a nova realidade e buscavam uma solução em meio ao Chocaoslate, que foi o nome dado por algum repórter espirituoso da época…

Após escrever essa primeira página, releu e pensou que preferia ser cego a ter que ler algo assim. Foi dessa forma que Saramago teve a ideia para colocar no papel um de seus livros mais celebrados. Pelo menos foi o que a minha tia me contou no Natal passado.

 

studartRafael Studart é comediante, roteirista e professor universitário de física. Mestre pela COPPE/UFRJ, costuma tentar algo novo com uma certa frequência. Se quiser falar sobre relacionamento e sexo com ele, pode pará-lo na rua. Facebook: http://www.facebook.com/studart7

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