Concer: Maio amarelo
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Saúde

[Coluna] Não medicalização!

por ​Virgínia Ferreira

De antemão, com o propósito de não causar nenhum tipo de dúvida, inicio o texto afirmando que a prescrição medicamentosa, em muitos casos, não é apenas necessária, é fundamental. Vale ressaltar que quando prescrita e adequadamente prescrita.  O que pretendo discutir é a banalização do sofrimento e o imediatismo e o consumismo, duas características próprias da era em que vivemos, aliadas à “nova” categoria proposta e largamente utilizada pela psiquiatria chamada de “transtorno”. Tudo hoje é transtorno.

Na atualidade, por um lado, o sofrimento humano foi banalizado de inúmeras formas: tristeza se chama depressão, medo é pânico, preocupação ou expectativa viraram ansiedade, e se a criança é um pouco mais agitada do que se considera esperado é TDAH, e assim por diante.

Nada melhor – porque é mais rápido, porém não significa ser mais eficiente – do que tomar algumas pílulas para tentar dar conta do sofrimento. Quem, hoje, não tem na bolsa, por exemplo, um antiansiolítico ou um antidepressivo prescrito pela vizinha ou pelo ortopedista ou gastro?

A situação está tão preocupante que até as professoras primárias fazem e dão diagnósticos, em geral de TDH, e informam às mães, estas que só procuram um neurologista para ouvir uma segunda opinião e fazer a prescrição medicamentosa. Desta forma, a verdade para essas mães está no diagnóstico feito de forma não autorizada pelas professoras. Afinal, elas não são médicas, sendo a palavra do neurologista, o médico, apenas uma segunda opinião.

Por outro lado, a passagem da categoria psicopatologia para transtorno possibilitou esse inchaço da psiquiatria e, de certa forma, acabou com a diferença entre normal e patológico. Tenta-se amenizar o patológico caracterizando-o como transtorno e, ainda, se é transtorno, basta medicar. São medicadas as pessoas que precisam de uma intervenção medicamentosa – aquelas que, de fato, sofrem de uma determinada psicopatologia, como também todas as demais pessoas que não sabem lidar com os limites da realidade ou com sua fragilidade. Ou seja, todos são medicados ou automedicados.

Todos consomem pílulas como se elas fossem mágicas e resolvessem as dificuldades que provocam os tais desconfortos/sintomas. Refletir sobre sua própria existência, sobre seus propósitos ou a total ausência dos mesmos, suas carências afetivas exacerbadas, como está educando seu filho, e assim por diante, tais posturas são próprias de uma minoria. A grande maioria não reflete e essa postura não reflexiva é decorrente de se atribuir todo desconforto ou sofrimento a causas meramente externas ou orgânicas, achando-se o sujeito, assim, isento de toda e qualquer responsabilidade sobre o seu desconforto. Então, torna a consumir pílulas.

Aquele que prescreve, sendo autorizado ou não, é como se tivesse uma varinha de condão. Porém, a mágica da varinha, neste caso, é bastante temporária. Ela é muito poderosa enquanto o sujeito está sob efeito do medicamento. Passa o efeito, volta o desconforto, então toma-se outra pílula e assim caminha próspera e sorridente a indústria dos psicofármacos, as farmácias, enfim, o sistema.

Finalizo, meu pequeno texto, ressaltando a importância de que nenhum problema, sem exceção, se resolve por si só. Se temos algum tipo de desconforto, precisamos da ajuda de um profissional autorizado que possa realizar um diagnóstico e nos encaminhar para o respectivo tratamento, seja esse tratamento realizado por um psiquiatra ou neurologista à base de medicamento, ou seja esse tratamento realizado por um psicólogo ou psicanalista, onde o caminho é a reflexão sobre sua própria existência ou, ainda, um tratamento conjunto entre psiquiatra e psicanalista.

Independentemente de qualquer coisa, fato é que toda pessoa está sujeita ao desconforto, ao mal-estar. Se sabemos lidar com ele e resolvê-lo, ótimo. Caso contrário, não se lance ao risco de se automedicar ou ter a certeza de que profissionais não autorizados o ajudarão ou, ainda, de que as pílulas resolverão as dificuldades que são suas. Ilusão.

O enfrentamento de uma psicopatologia à base de medicamento ou de uma dificuldade pessoal à base da palavra não é somente importante, é tudo!​ Por isso, estaremos discutindo o tema, no 1° Simpósio sobre Medicalização, na Fase, no próximo sábado (7). O debate está aberto.​

Virgínia Ferreira é psicóloga e professora da Faculdade Arthur Sá Earp Neto (FMP/Fase)​.

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