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[Para & Pensa] No Brasil ninguém é “branco”

por Daniel Martinez de Oliveira

 

Está mais do que provado cientificamente que não existem raças humanas. E com o avanço dos recursos em pesquisa genética, tornou-se irrefutável a prova de que a humanidade encontra-se integrada, ao menos em nível molecular. Apesar disso, vimos a cada dia repetirem-se cenas de ódio irracional e discriminação por conta da origem étnica das pessoas, sendo referência, primordialmente, a cor de sua pele.

O Brasil – diz-se muitas vezes – é um “crisol de raças”, um caldeirão de mistura das mais diferentes origens. Claro, nosso país foi formado a partir do “encontro” – eu preferiria dizer do “choque” – da civilização portuguesa com um sem-número de sociedades (chamadas indígenas), e encharcado de sangue africano. Juntadas, nessa panela de pressão, viriam ainda as ondas migratórias posteriores, de europeus a asiáticos, que se acomodariam à nossa “paradisíaca” nação.

Algumas imagens idílicas desse embate biológico e cultural têm sido recriadas, década após década, e delas tem surgido aquilo que nomeamos “brasilidade”, o nosso quê de diferente do resto do mundo. O que faria do Brasil um paraíso, em que conviveriam, pacificamente, raças, políticas e religiões (excluídas daí as torcidas de futebol).

Esta linda imagem vem se mostrando, entretanto, cada vez menos condizente com a realidade. Imagino que parte dessa transparência venha da nossa capacidade, hoje, de explorar milimetricamente nossas próprias “veias abertas”, expostas aos nossos olhares pelos mais variados veículos de informação. Descaradamente, vemos, a cada dia, pessoas negras e pardas serem submetidas à exceção policial, à marginalização institucionalizada e à perseguição e estereotipagem. Vemos, dia após dia, crianças negras e pardas sendo tratadas como potenciais bandidos, como potenciais assassinos e futuros inimigos do “cidadão”.

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No Brasil, perpetua-se o imaginário de que somos miscigenados. Mas indague os brasileiros que se consideram “brancos” para saber até onde vai essa miscigenação. Muitos deles irão ressaltar seus antepassados europeus e ignorar qualquer outra origem! Alguns vão dizer que uma bisavó era “filha de índio”, ou que um primo de terceiro grau tinha um “pezinho na África”, mas o sujeito que se acha “branco” nunca vai falar que é misturado com “preto”.

Os portugueses que chegaram aqui eram altamente miscigenados com povos da África e da Europa. Os indígenas daqui também eram bastante miscigenados. E os africanos que foram obrigados a chegar aqui já eram abundantemente miscigenados. Todos esses povos e pessoas se misturaram através de sexo, casamento, estupro e outros modos de “união”. Daí uns saíram mais “brancos”, outros mais “pardos”, e outros mais “negros”. Alguns de olhos azuis, outros castanhos, verdes, ou pretos. Alguns com cabelos assim ou assado, outros até sem cabelo.

Mas há uma cria degenerada dessa mistura. É aquele tipo de pessoa que não se enxerga, aquele cidadão que se vê “branco” e acha que ser “branco” é melhor. E esquece que foi se achando “branco” que se roubou, se matou, se excluiu e se dividiu o Brasil em dois: aquele dos que pensam que descendem do colonizador e aquele dos que foram forçados a viver à margem do colonialismo, tornando-se marginais no sentido estrito do termo.

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E já que paramos para pensar sobre tudo isso, eu tenho uma notícia para lhe dar. É, você mesmo que está lendo este texto estranho. O Brasil, queiramos os brasileiros ou não, é pardo, mulato, cafuzo, mameluco, “misturadão”. Branco e preto são só nomes de cores. Como bem disse Chico Buarque, no Brasil não existe “branco”! Eu, você, seus vizinhos, até aquele seu amigo loiro de olhos azuis, sabe?… Nenhum de nós é, foi ou será “branco”. E vou ter de lhe dizer mais uma coisa… Sinto muito pelos que o ignoram, mas todos nós somos irmãos e temos não um, mas os dois pés na África. Pois foi lá onde surgiu e a partir de lá que se espalhou o ser humano.

 

Daniel Martinez de OliveiraDaniel Martinez de Oliveira é graduado em história e mestre em antropologia pela UFF, onde também faz seu doutorado. Realizou pesquisas sobre a Umbanda, o Santo Daime e o Caminho de Santiago. É antropólogo e historiador do Instituto Brasileiro de Museus (IBRAM) e administrador substituto do Palácio Rio Negro (Petrópolis). Além de ser professor universitário, deu aulas de espanhol por mais de dez anos. Nascido e criado em Nova Friburgo, após três anos de trabalho no Museu de Arqueologia de Itaipu, em Niterói, adotou Petrópolis para trabalhar e viver com a família. É mochileiro de carteirinha e adora ler e escrever poesias.

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