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[Para & Pensa] Zumbis

por Daniel Martinez de Oliveira

Trago à baila um tema muito em voga na TV, em livros e histórias em quadrinhos, e que atualmente é um “fenômeno” mundial. Trata-se das histórias de zumbis. Sim, falo de zumbis do jeito que aparecem nos filmes hollywoodianos, aqueles seres mortos-vivos que vagueiam pela Terra, semiconscientes e sem rumo, em busca de carne humana. Por ser fã das histórias de zumbis, sugiro que pensemos um pouco nessas ficções enquanto metáfora para a nossa realidade social.

Primeiramente, cabe dizer que estou falando de uma releitura estereotipada, feita pelo cinema estadunidense na década de 30, de práticas e crenças provenientes de cultos religiosos de matriz africana – o caso do vodu Haiti. E que inspiraram histórias de terror, que evoluíram até tomarem a forma que conhecemos atualmente, dada à luz pela primeira vez por George Romero, em 1968. Uma releitura, sem dúvida, distorcida e preconceituosa sobre manifestações culturais “não ocidentais”, ou seja, uma forma de etnocentrismo. Mas que já não deixa de fazer parte, também, da cultura pop nos Estados Unidos e, por extensão, no mundo.

Até mesmo por gostar de narrativas sobre zumbis, convido você a pensá-las em analogia às sociedades ditas modernas, imaginando-as – por alguns momentos – como sistemas integrados por zumbis. E a avançar um pouco e tentar fazer uma análise mais antropológica sobre esses seres, levando-os em conta, sempre, como uma metáfora para certa “morbidez” social de muitos de nossos colegas, vizinhos, amigos, familiares, autoridades e dirigentes.

De fato, os zumbis, quando se juntam, formam um tipo de “horda” semi-humana/pós-humana, em que a individualidade deixa de existir, em que as relações sociais (humanas) e as hierarquias se anulam – salvo raras exceções. Ou seja, os zumbis são “ex-pessoas” que já não têm personalidade ou status social, e cuja única ação é perambular, seguindo um feroz instinto de se alimentar dos vivos.

Os zumbis daquelas histórias são, então, seres à margem da vida e da morte. São “coisas” que ameaçam a existência daqueles que sobreviveram à catástrofe dos mortos-vivos. Seres que representam nosso medo interior às consequências de uma homogeneização total e irreversível dos humanos. A nossa transformação em pessoas sem raciocínio lógico, sem ética, sem escrúpulos, sem dor e sem compaixão. Nossa transformação em seres sem caráter ou humanidade. Seres que só querem consumir de forma insaciável, mais e mais e mais.

Os zumbis têm grande potencial para representar, em nossas mentes cridas “pós-modernas” e capitalistas, o equivalente em outras sociedades – classificadas por nós como primitivas – a espíritos malignos, entidades malfazejas da floresta, monstros e outras manifestações culturais dos medos humanos e da ameaça da morte. Mas eles podem representar também a ambiguidade entre algo que cremos que DEVEMOS SER e aquilo que nós NÃO QUEREMOS SER. Estaríamos atravessando o limiar da barbárie? Estaríamos tornando-nos zumbis?

 

Daniel Martinez de OliveiraDaniel Martinez de Oliveira é graduado em história e mestre em antropologia pela UFF, onde também faz seu doutorado. Realizou pesquisas sobre a Umbanda, o Santo Daime e o Caminho de Santiago. É antropólogo e historiador do Instituto Brasileiro de Museus (IBRAM) e administrador substituto do Palácio Rio Negro (Petrópolis). Além de ser professor universitário, deu aulas de espanhol por mais de dez anos. Nascido e criado em Nova Friburgo, após três anos de trabalho no Museu de Arqueologia de Itaipu, em Niterói, adotou Petrópolis para trabalhar e viver com a família. É mochileiro de carteirinha e adora ler e escrever poesias.

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