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[Para & Pensa] Dia das Bruxas

por Daniel Martinez de Oliveira

Que tal falarmos um pouco, hoje, sobre o simbolismo em torno do Dia das Bruxas? Quem pensa que o 31 de outubro é simplesmente uma festa importada dos Estados Unidos, ou uma mera “imitação” das tradições norte-americanas, talvez se surpreenda ao conhecer um pouco mais sobre esta festa.

O Dia das Bruxas pode mesmo ter chegado a nosso e a muitos outros países do mundo por meio da propaganda cinematográfica estadunidense, em que vemos crianças disfarçadas de monstros, pedindo doces de porta em porta. Ou com os filmes de terror em que várias histórias macabras se desenrolam nas noites sombrias e mágicas das bruxas. Ainda assim, esta é só a ponta da linha que vai das origens da tradição até o que ela representa hoje.

O Dia das Bruxas – ou Halloween, em inglês – tem suas origens entre os povos celtas, que habitaram vastas regiões da Europa por séculos e séculos. Uma de suas crenças era a de que a data de 31 de outubro representava o Samhain, ou “fim do verão”, em que eram concluídos os trabalhos de colheita e se iniciava a estação escura. Ou seja, uma espécie de Ano Novo celta. Tratava-se, portanto, de um rito de transição, em que ficava aberta uma fissura entre dois mundos, entre a claridade e a escuridão.

Na noite do Samhain, as pessoas convidavam os espíritos dos seus parentes falecidos, apaziguando-os ao partilhar com eles sua comida. Este era um momento em que os mortos estavam autorizados a caminhar entre os vivos. Os disfarces provavelmente serviam como uma forma de proteção, pois ao se disfarçarem de monstros, elas espantavam os espíritos malignos.

Com o passar do tempo, na medida em que foram ocupando os domínios celtas, os romanos incorporaram a tradição à festa da colheita em veneração à deusa Pomona. Mais tarde, com a cristianização de Roma, a Igreja Católica transferiu o Dia de Todos os Santos, de 13 de maio para 1º de novembro, com a intenção de suplantar essa festa pagã. Muito tempo depois, já no século XVIII, as ondas migratórias irlandesas que se direcionaram aos Estados Unidos levaram consigo parte da tradição, que se espalhou pela América do Norte, e acabou por receber inúmeras novas influências culturais locais.

Se hoje a celebração do Halloween é conhecida por todo o mundo, podemos dizer que isso se deve, sim, aos norte-americanos. Porém, não deveríamos desconsiderar todo o histórico da festa, que não começou na América do Norte, nem se restringiu às ilhas britânicas, já que pôde ser verificado também, em diferentes épocas, na Península Ibérica.

A lembrança dos celtas está fortemente arraigada, por exemplo, na cultura da Galícia, a terra do Caminho de Santiago, localizada no noroeste da Espanha. Ali, vários estudos históricos e arqueológicos mostram a presença milenar dos antigos povos celtas. E ali também se mantêm vivas, no rico imaginário mágico galego, as memórias do Samhain (na Galícia, Samaín), as lendas sobre bruxas (meigas, em galego) e a tradição de esvaziar abóboras e colocar nelas velas acesas, a fim de causar sustos em passantes.

Hoje vemos bailes à fantasia, maratonas de terror, filmes, desfiles, lançamentos de livros, jantares, festas… Todos esses eventos lúdicos, presentes no Dia das Bruxas, se relacionam diretamente com o tempo que devotamos a recordar os mortos. Eles ainda fazem eco a ritos que servem para nos lembrar de que um dia não estaremos mais neste, mas no outro lado. E os que estiverem do lado de cá persistirão no afã de não contrariar e de apaziguar, com festas e comidas, as almas saudosas e vingativas que se encontrarão no outro mundo.

 

Daniel Martinez de OliveiraDaniel Martinez de Oliveira é graduado em história e mestre em antropologia pela UFF, onde também faz seu doutorado. Realizou pesquisas sobre a Umbanda, o Santo Daime e o Caminho de Santiago. É antropólogo e historiador do Instituto Brasileiro de Museus (IBRAM) e administrador substituto do Palácio Rio Negro (Petrópolis). Além de ser professor universitário, deu aulas de espanhol por mais de dez anos. Nascido e criado em Nova Friburgo, após três anos de trabalho no Museu de Arqueologia de Itaipu, em Niterói, adotou Petrópolis para trabalhar e viver com a família. É mochileiro de carteirinha e adora ler e escrever poesias.

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