(Imagem: “Operários” – Tarsila do Amaral)
por Daniel Martinez de Oliveira
Imaginemos duas situações de entendimento da sociedade.
Na primeira delas, o mundo social é todo estruturado, tudo tem seu lugar, certas coisas e pessoas têm funções definidas e tudo parece estar engrenado em uma rede ou em um maquinário que trabalha através da união de suas partes. É o tipo de explicação orgânica da vida social e dos grupos nas sociedades, em que o ser individual parece atrofiado, em alguns momentos, pela estrutura e pela cultura.
Na segunda, temos o papel do indivíduo como o ser que é capaz de mudar tudo, que cria a cada momento e depende somente de suas redes de interações para conseguir o que precisa e fazer o que deve. É o tipo de interpretação que indica uma hipertrofia do ser individual sobre a sociedade e a cultura.
Na primeira visão, o homem (e a mulher, claro) surge como roda dentada em uma engrenagem maior, em uma ordem que não vem a ser, necessariamente, criada. Nela, as individualidades estão suspensas, como marionetes sendo limitadas e/ou guiadas na maioria de seus passos por valores, instituições, relações de trabalho, relações econômicas, pertencimento a uma comunidade religiosa, entre outras esferas da experiência humana, que as amarram e dão sentido ao seu ser/estar no mundo.
Na segunda visão, as pessoas têm de lutar por elas mesmas para conseguir um lugar no mundo e para vencer uma batalha que, dia após dia, dará forma às suas vidas. Trata-se de um mundo em que a concorrência e a adaptação são duas das características principais. Nela os seres humanos não estão amarrados a uma estrutura que os controla, mas são os responsáveis pela sua vitória ou o seu fracasso.
Digamos que a primeira visão exagera no que diz respeito às liberdades e capacidades individuais, limitando o poder de criação das pessoas e levando a um determinismo que quase faz desaparecer o sujeito individual. Entretanto, a segunda peca ao fazer recair sobre o indivíduo a responsabilidade de tudo o que ocorre em sua vida. A primeira pode ser conservadora, mas a segunda é liberal demais. A primeira permite que vejamos conflitos, inerentes à existência humana, mas a segunda tende a apagá-los de seu registro.
Essas duas formas de análise do mundo social vêm pautando muitas das abordagens das ciências sociais, que sempre terminam pendendo mais para uma ou para a outra. E – como o conhecimento científico em geral – acabam ganhando suas versões ao nível do senso comum, como verdades sobre os destinos do homem.
A verdade, se existe, deve estar em um meio termo entre elas. Cabe a nós, seja enquanto cientistas sociais, seja enquanto atores sociais, procurarmos os seus rumos nesse estreito caminho do meio.
Daniel Martinez de Oliveira é graduado em história e mestre em antropologia pela UFF, onde também faz seu doutorado. Realizou pesquisas sobre a Umbanda, o Santo Daime e o Caminho de Santiago. É antropólogo e historiador do Instituto Brasileiro de Museus (IBRAM) e administrador substituto do Palácio Rio Negro (Petrópolis). Além de ser professor universitário, deu aulas de espanhol por mais de dez anos. Nascido e criado em Nova Friburgo, após três anos de trabalho no Museu de Arqueologia de Itaipu, em Niterói, adotou Petrópolis para trabalhar e viver com a família. É mochileiro de carteirinha e adora ler e escrever poesias.
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