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Colunas

[Na mente de um Strudel] Feliz Aniversário

por Rafael Studart

Estava escuro. Tateava buscando um interruptor. Tlec. “SURPRESA!!!”

Silhuetas. Enxergava apenas silhuetas. Enquanto o clarão recém-adquirido se acomodava em minha retina, vi o que parecia ser crianças, adolescentes, jovens, senhores.

Ainda parado e confuso, detive meu olhar num reflexo de espelho; um não, vários. A medida que fui me aproximando deles, pude notar que não repetiam o que fazia, apenas me encaravam de volta com um sorriso no rosto.

Eu. Eu. Mais eu. Para onde quer que olhasse, era tudo eu. Eu repleto de manchas senis, eu repleto de espinhas. Não sabia que truque era aquele, mas sem dúvida foi a primeira festa surpresa que me surpreendeu.

Enquanto o redemoinho de pensamentos desconexos ganhava ímpeto em minha mente, um Eu de uns 20 anos colocou a mão em meu ombro, por trás de mim, e falou bem empolgado: “Deu um trabalhão, mas conseguimos! Taí Você! Um por ano! Ao longo de todos os anos!”. Olhei pra ele, pra mim!, sem acreditar ou saber o que dizer, mas vi o brilho nos olhos de quando era uns 15 anos mais jovem. Lembrei como era contagiante. Não havia dúvidas de que éramos Nós.

Circulei pela festa preferindo não tentar entender muito. Observei uns Eus adolescentes próximos à porta da cozinha, bebendo água, visivelmente inseguros com aquela situação. Perto deles, outros Eus, apenas um pouco mais velhos, exalando prepotência e fazendo conjecturas como se fossem donos da verdade, mesmo sabendo pouco, talvez até menos que os mais jovens.

Senti-me num museu de história natural particular, contemplando cada espécie diferente de Mim do meu próprio processo evolutivo. Pude ver de longe situações que vivi de perto, como quando passei pela sala de jantar e presenciei um Eu, sentado à mesa, discutindo com outros porque, coitado, não conseguia entender como Ele ficou tão perdido durante tantos Eus.

Passando perto do aparador, um Eu de meia idade esbarrou num prato, deixando cair algumas balas de coco no chão. Deu um jeito na coluna ao se dobrar para pegá-las. Nem dois segundos depois, um Eu bem garoto veio todo serelepe catar os doces, entregando-os, solícito, ao Eu mais velho. Invejei saudosamente aquele Eu prestativo que só queria ajudar, sem esperar nada em troca.

Notei que quanto mais grisalho um Eu, mais profundos e envolventes eram os assuntos que desenvolvia. Pena que cada fio branco novo era um minuto a menos de disposição para se manter acordado, conversando comigo. O bocejo nascia no canto de suas bocas e Eu a Eu, foram caindo de sono pelos sofás, poltronas e camas da casa. Enquanto isso, os Eus mais jovens, pilhados com tudo que estava acontecendo, queriam mais era virar a noite comemorando aquela ocasião sem precedentes.

Entrando mais fundo pelos corredores da casa, passei pela porta de um quarto. Nele, sob uma luz âmbar, indo para frente e para trás em uma cadeira de balanço, um Eu bem velhinho punha para dormir em seu colo o Eu recém-nascido. Os dedos frágeis, todo enrugado, carequinha, com uma vida toda… Perdi-me naquela imagem. Eu cuidando de Mim.

As reflexões que tive naquela festa foram muitas e não cessavam em instante algum. Diante daquela babuska de mim mesmo, daquele congresso de Eus, poderia chegar a um consenso? Será que era preciso? Não tinha dúvidas de que precisava dar atenção a todos os meus convidados por igual, mas valeria entregar o gabarito dos anos já vividos e pegar os daqueles que virão? Melhor não. Se isso acontecesse, estragaria a surpresa.

 

 

studartRafael Studart é comediante, roteirista e professor universitário de física. Mestre pela COPPE/UFRJ, costuma tentar algo novo com uma certa frequência. Se quiser falar sobre relacionamento e sexo com ele, pode pará-lo na rua. Facebook: http://www.facebook.com/studart7

 

 

 

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2 Comentários

  1. Sempre quis poder encontrar comigo mesma quando tinha 2 anos e os cabelos bem cacheadinhos. Achei muito legal a ideia do texto. Faz a gente refletir sobre os rumos que estamos tomando na vida. Olhar para o possível eu futuro, tentando lembrar do eu infantil e seus sonhos inocentes, buscando combiná-los da melhor maneira possível!Parabéns! E feliz aniversário atrasado!

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