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Colunas

[Quebra-cabeças] Todo o saber é pouco quando não se respeita o encontrar com o outro

por Raphael Curioni

Talvez a melhor maneira de se pensar e conversarmos por aqui seja: o que você espera de mim? Não se trata de algum truque que tire a responsabilidade profissional de quem escreve, do profissional que passou por alguns anos estudando, outros se especializando, e nas experiências da prática, mas sim começar por onde realmente devemos começar: pelo começo.

Esse é nosso primeiro diálogo, caro leitor, pessoa como eu, e talvez fosse um bom caminho não apontar nenhum conhecimento técnico ou algo que venha dizer o quanto o especialista (suposto saber) pode contribuir para que se saiba mais sobre a psicologia, e que até mesmo chegue nos problemas nossos de cada dia. No começo, vamos às apresentações e dizer para o que isso aqui serve (não para quem). Essa coluna tem o grande intuito de não ser como aqueles quadros de especialistas chamados para tecer comentários ou para falar sobre certas doenças, transtornos e síndromes que contemplam a sua área de atuação. Não será aqui que iremos saber sobre os psicopatas e a partir dos sintomas ou do quadro sindrômico buscar enquadrar pessoas do dia a dia em supostos diagnósticos. Não! Não seremos (você, leitor e eu, escritor) promotores de grandiosos “achismos” que possuem um impacto gigantesco na vida de pessoas. Foquemos não na doença, não no enquadrar e estigmatizar. Nem só de drama vive a psicologia.

A visão do profissional da saúde ficou por muito tempo restrita ao imaginário daquele que cuida de alguém quando este alguém está mal. Ou seja, a visão sempre foi pautada na doença e na cura da mesma. Avançamos para um ideal pautado não mais nisso, mas sim na promoção de saúde e bem estar, na autonomia, no cuidado e na prevenção. Ou seja, atua-se na crise e no problema quando não se cuida e não se acompanha.

Por que falar disso tudo? Porque podemos ver a psicologia como um instrumento não que tira dor e cura, mas como algo que te faz andar com as próprias pernas e conseguir lidar melhor com as quatrocentas e oitenta e sete portas fechadas na sua vida (ou mais umas ou menos umas portas).

Caro leitor, a melhor e maior coisa que pode haver dentro do cuidado “dos nervos”, “da cabeça” e de qualquer outro nome para tratarmos de nosso psiquismo cai em um viés da humanização: todo saber é pouco quando não se respeita o encontro com o outro. O que isso significa? Que é preciso valorizar o mundo daquele que está sendo escutado, acolhido, tratado ou qualquer outra palavra que encaixe nesse estado de profissional e usuário da saúde. Nenhum doutorado se coloca na mesma categoria das experiências vividas. Não são de mesmo espaço: uma coisa é uma coisa, e outra coisa é outra coisa. Cada um na sua, mas havendo respeito pelo outro. Meu respeito por alguém não deve ser pautado pelo quanto que aquela pessoa apresenta de conquistas ou marcos de status social, meu respeito precede qualquer título: meu respeito é relacionado ao respeito para com o outro. Por quê? Exatamente pelo fato dele não ser você, sendo outro, é dado importância no estar próximo de alguém, e que sem o outro, você não é ninguém, mas não é ninguém mesmo, você precisa do que é diferente para saber quem você é. Qualquer crítica pauta a vulnerabilidade da estrutura social: é preciso respeitar para ser respeitado, e somente a partir de uma conduta assim que consigo amenizar as arestas da sociedade e pensar de forma coletiva, crescendo no todo e não pessoalmente. Resumindo: não é porque o cara é doutor e você não é que isso signifique que essa relação deve ser desequilibrada. Ambos são pessoas, apenas e tudo isso.

Talvez a melhor coisa que possam ler de um psicólogo seja algo que essa nossa sociedade não tolera, pede para ser escondido e recorre na busca de solução instantânea: o sofrimento. Por que você não pode sofrer? A vida é feita de dias ruins, dias bons. É normal se sentir mal em um dia, não ter vontade de fazer suas atividades, estar sem paciência para falar com outras pessoas, enfim… É normal ter dias ruins, é normal sofrer quando se perde alguém querido, é normal chorar… Anormal é não sentir e não deixar sentir. Você tem o direito a não se culpar por não estar bem. Não há nada errado com isso, é um direito seu. Não se sinta culpado por estar enlutado ou estar num dia em que você não está muito para conversa. O complicado é não dar vazão ou então estar constantemente amargo ou azedo. Nosso viver pós-moderno emprega uma velocidade e uma demanda de trabalho em que não se pode dar ao luxo ou não se tem tempo de sofrer, de estar se sentindo mal. Claro que um sofrer ou sentir mal que possui um viés de tratamento, que possibilita uma recuperação posterior, um estar meio triste hoje, mas amanhã estar bem.

Recentemente ouvi de um paciente algo que me chocou e que basicamente inspirou esse texto. A frase era “eu tenho direito a ficar doente, esse é um direito que eu tenho”. No começo pensei de forma angustiada em que via a vulnerabilidade ou fragilidade do vínculo trabalhador-empregador em que o ficar doente, o adoecer é um direito daquele que trabalha e que só assim ele pode ir atrás da saúde. Ou seja, é algo que as regras do trabalhar me garantem. Que mundo é esse em que precisa o adoecer ser direito para que se possa ir a uma médica, um enfermeiro, um psicólogo, uma fonoaudióloga, entre outros? Depois fiz outra leitura, em que parecia algo que nunca havia me tocado de forma tão clara: claro que nós temos direito a ficarmos doente, faz parte do viver. Eu posso me sentir mal e isso não faz de mim um doente. A doença é compreender que não podemos sentir, ou quando sentimos de forma profunda e por longo tempo algo que nos faz mal e tira nossa autonomia e bem estar.

Finalmente, tudo faz sentido: você pode ir à janela e olhar de forma admiradora para as árvores e lembrar de outros momentos, de se sentir livre no pensar assim como os pássaros, ou de ficar chateado por não poder voar. Numa sociedade que adoece mentalmente pelos péssimos meios e estruturas institucionalizadas, em que as relações são cada vez mais frágeis e de vulnerabilidade, como ignorar o sofrer? Sofrer é fundamental para que se supere a dor. Dói, mas vai. Não se culpe, se você está se sentindo mal, tenha certeza de que a maioria das pessoas que você conhece está assim ou já esteve, e estará, a diferença é a maneira que se lida e como isso te afeta.

Quero falar de uma psicologia que não é do ovo que algumas vezes é o tudo de bom e em outros não presta, saindo daqueles momentos em que o especialista é chamado, e na mídia fornece informações dadas como verdades absolutas, sem que se conheça o efeito de algo em alguém (afinal de contas, ovo faz bem ou não para a saúde? Sei lá!). Para falar sobre transtornos e psicopatologias que necessitam de um olhar focado na situação que uma certa pessoa está vivendo, em algo contextual, e acabar colocando palavras que mais tornam esses conceitos psicológicos como generais, genéricos ou globais, aí eu aconselho ligar a televisão e ver o que que aqueles psicólogos que não te conhecem ou que não estão clinicando falam. De resto, bora falar de uma psicologia que possa ser abordada dentro de uma mídia de forma que seja útil, sem patologizações em massa.

Abraço!

raphael curioniRaphael Curioni é um ser humano, como qualquer outro, que seguiu a vida da música e da psicologia.  Fala, ouve, escuta, faz, não faz, acerta e erra, como qualquer um. Na parte da carreira psi: Psicólogo graduado na UCP, residente em Psicologia pelo programa de residência multiprofissional FASE/FMP, e Conselheiro Municipal de Saúde representando o Conselho Regional de Psicologia. Profundo amante da escrita e da música. Vocalista da banda Sob Efeito. Gravou a música de um comercial, mas não usa os serviços dessa empresa de telefonia. Gosta de vermelho e de pizza, não gosta de laranja e da língua espanhola. Não gosta quando tem peixe em casa e nem quando ouve especialistas ignorando a especificidade de cada caso. Futuro professor/acadêmico. 
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