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Colunas

[Coluna] A casa do Barão

por Monica David

Naquele sábado combinamos nos encontrar ao final da tarde para um evento na casa do Barão de Mauá. Os telefonemas multiplicaram-se e, lá pela hora do almoço, tudo já estava combinado, incluindo caronas e trajetos que facilitassem a vida de motoristas. E assim montamos dois grupos, cada carro com quatro pessoas.

O encontro foi marcado na porta do Palácio de Cristal, um ponto fácil e em frente à casa do Barão de Mauá. Meu grupo chegou bem na hora marcada, e esperamos pelas outras. Mas nada de chegarem.

O tempo passava e ficamos preocupadas. Em casa, maridos, filhos ou netos anunciavam, por telefone, que elas já tinham saído há horas. Os celulares acusavam fora de área ou caíam em caixa de mensagem. Decidimos seguir para o evento antes que ele acabasse.

Quando saímos, resolvemos cortar caminho pelos jardins do Palácio de Cristal. E ali estavam elas, as quatro, com um ar entre o perdido e o cansado.

As oito mulheres falavam ao mesmo tempo, em uma algazarra de exclamações de deixar muda qualquer maritaca. Mas foi Maria, a motorista do grupo perdido, quem deu a explicação. Ela nasceu na Hungria e vive no Brasil há mais de quarenta anos, mas não perdeu o sotaque embrulhado. Afinal, dizem que o húngaro é a única língua que o diabo respeita e separar-se dela deve ser tão complicado quanto entender Buda sem Pest.

Com a fala cortada pelas vozes das amigas, Maria tentava contar sua história. O que não é fácil: ela repete, com insistência, a palavra nem. Recentemente descobri que nem, em húngaro, significa não. E de nem em nem Maria pontua suas sentenças.

– Estacionei perto da Catedral e seguimos a pé. Quando chegamos lá na Ipiranga, nem, nem, nem. Aquela era a casa de Rui Barbosa. Descemos direto para a Rio Branco, mas nem. Aquela era a casa do Barão do Rio Branco. Nem. Ora, então só poderia ser ali, do outro lado da Catedral. Nem mais uma vez. Aquela é a casa da Princesa Isabel. Paramos aqui porque elas se recusam a me seguir. Sei que devemos subir até a Gonçalves Dias. Mas nem. Ficamos aqui, perdemos o evento porque elas são preguiçosas, nem querem subir ladeira. Nem. E ainda dizem que lá é a casa de Stefan Zweig. Nem.

Um jovem escritor português, Gonçalo M. Tavares, escreveu uma série de pequenos livros, parte de uma coletânea chamada de O Bairro. Neste bairro imaginário, Gonçalo Tavares povoa ruas e casas com uma vizinhança diversificada. Por ali vive Brecht, Borges, Calvino, e outros nomes que fazem parte da cultura mundial. Os livrinhos são maravilhosos, pequenos só no formato, e divertidamente imaginativos.

Enquanto dirigia para casa, no meu roteiro através dos distritos para recambiar minhas amigas de volta às suas vidas, imaginava o que aconteceria se, por um acaso, Gonçalo Tavares encontrasse Maria nas ruas de Petrópolis. Afinal, vivemos em uma cidade onde imagens correm soltas nas ruas, mesmo em dias de nevoeiro. Basta querer olhar.

Monica David é historiadora, com mestrado e doutorado em outras áreas. Foi professora, redatora, pesquisadora. Hoje cuida de um quintal onde planta pitangas, jabuticabas e manacás. Lê sempre, e eventualmente escreve.

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