Publicidade Concer: Sustentabilidade e economia
Publicidade Concer: Sustentabilidade e economia
Colunas

[Coluna] Presente e passado na Semana da Memória, Verdade e Justiça

por Eduardo Stotz, presidente da CMV

Na Carta Aberta ao Povo Petropolitano, a Comissão Municipal da Verdade afirma: “A crítica ao golpismo e seu caráter de classe, no passado e no presente, foi o clamor mais ouvido durante a II Semana da Memória, Verdade e Justiça de Petrópolis, ocorrida entre 1 e 8 de abril do corrente ano.”

Comparação inevitável, pois os golpes, em 1964 e em 2016, apesar das diferenças quanto aos agentes e ao contexto em que ocorreram, foram desencadeados em nome dos interesses de classe dos capitalistas contra os trabalhadores, com o objetivo de acabar ou restringir direitos sociais e trabalhistas, sob o pressuposto, nunca debatido, de ser indispensável ao crescimento econômico do país.

Sabemos não haver consenso quanto ao golpe de 1964 e ao regime ditatorial implantado que perdurou 21 anos. Aliás, o retorno dos militares à cena política é atualmente defendido abertamente pelos porta-vozes da extrema-direita, enquanto as correntes de esquerda se opõem veementemente a tal pretensão.

A tolerância em relação ao regime militar também atinge uma parte das gerações mais velhas, enquanto outra manifesta oposição ou mesmo repúdio. Foi o que descobriram os estudantes do Cefet-Petrópolis ao entrevistarem familiares e vizinhos a respeito do regime militar, dentro das atividades dedicadas à Semana sob o título de “Exposição 64”. Muitos entrevistados declararam preferir ou desejar o retorno dos militares no poder, mas outros relataram de torturas, cerceamento de atividades cotidianas, censura às informações de forma geral. Um aluno inclusive mencionou os gritos que a avó escutava pois ela trabalhava em local ao lado a 67ª Delegacia de Polícia Civil, na Rua Teresa.

Uma memória dividida? Tudo indica que sim. Mas o quê? Que algo que se passou de modo espontâneo e naturalizado, como acontece na vida social cotidiana, no destino de milhões de pessoas. Passou-se como uma gigantesca transformação na estrutura social, mediante o deslocamento de migrantes do campo para a cidade no curto espaço de tempo de 1968 a 1970, ao ponto do Censo Demográfico realizado pelo IBGE registrar, no transcorrer de um decênio, a mudança de um país predominantemente agrário para outro, urbano-industrial. Tal mudança acarretou uma melhoria no padrão de vida de ex-camponeses pobres, ainda que à custa de arrocho salarial, do controle dos sindicatos e da ação política, situação legitimada pelos meios de comunicação a alardear diariamente o “Brasil Grande” e a ameaçar qualquer oposição com o insistente refrão: “Brasil: ame-o ou deixe-o”. Esse processo aconteceu sem qualquer possibilidade de reconhecimento coletivo e de uma avaliação, pois o debate público estava interditado.

Garantia de uma acumulação de capital que atingia taxas por assim dizer “chinesas” (11% do PIB), a ditadura militar foi implantada explicitamente para “salvar a democracia” da participação política dos trabalhadores. Quando a euforia do crescimento passou e a inflação corroeu os salários, a partir de 1974, protestos aconteceram, apesar de duramente reprimidos até a véspera do final do regime.

Esse capítulo da História do Brasil precisa ser escrito de modo amplo e profundo, principalmente a partir do olhar e da experiência dos trabalhadores, com o envolvimento dos mais jovens, mormente quando se pretende, como hoje, instituir “escolas sem partido”.

A II Semana da Memória, Verdade e Justiça de Petrópolis, além de um sucesso em termos de público, foi um período de participação, de reflexão e debate envolvendo centenas de pessoas reunidas no SindiSaúde, no CEFET-Petrópolis, no Diretório Acadêmico Rui Barbosa, nas escolas públicas municipais e estaduais e no Instituto Teológico Franciscano. Mostra a força crescente da sociedade civil petropolitana em seu empenho de não esquecer, de exigir o resgate do passado contra o medo, a vergonha e o silêncio. Que novas vozes e contribuições venham!

A Comissão é formada por: Eduardo Stotz – sociólogo e historiador, pesquisador da Fiocruz; Glauber de Oliveira Montes – historiador e professor; João Fabre dos Reis – advogado trabalhista; Maria Helena Arrochellas – teóloga e coordenadora do Centro Alceu Amoroso Lima para a Liberdade; Rafane Valoura Paixão – historiadora e Roberto Schiffler Neto – sociólogo e professor.

Endereço e acesso: Prefeitura Municipal de Petrópolis – Avenida Koeler, 260 – Centro – Petrópolis – RJ – Tel.: (24) 2246-9325. Facebook.com/cmvpetropolis – [email protected]

Mais em:

[Coluna] A derrama de dólares e a corrupção eleitoral do Brasil: a ação do IBAD na preparação do golpe militar

[Coluna] O golpe militar não foi um raio caído do céu azul

[Coluna] Memória e Verdade em Petrópolis – Jango no Palácio Rio Negro

As opiniões contidas não representam a opinião do site; a responsabilidade é do autor da publicação.

2 Comentários

  1. Parabéns à Comissão Municipal da Verdade!
    Muito bom o resumo sobre o período da ditadura militar – momento inesquecível da nossa história – principalmente pelo enfoque dado ao objetivo principal do golpe militar, a dominação e exploração da burguesia sobre os trabalhadores, razão principal da terrível repressão militar.
    E a memória fica por conta dos interesses de classe: inorar, apoiar ou esquecer jamais

Botão Voltar ao topo
error: Favor não reproduzir o conteúdo do AeP sem autorização ([email protected]).