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[Coluna] Os idos de Abril de 1964 em Petrópolis

por Eduardo Stotz, presidente da CMV

Entre 31 de março e 1º de abril de 1964, a região serrana, entre as cidades de Petrópolis e Três Rios, foi o epicentro de um confronto que acabou por não acontecer. Na noite de 31 de março, tropas do 1º Batalhão de Caçadores (Batalhão Dom Pedro) desfilaram pelas ruas de Petrópolis em direção à estrada União e Indústria, deslocadas para enfrentar os golpistas e defender o governo Goulart.

O dia 1º de abril foi, talvez, um dos mais febris e angustiantes da História contemporânea do Brasil. Enquanto as tropas do 1º BC mantinham posição em Três Rios com o objetivo de paralisar a movimentação dos golpistas mineiros e aguardar a chegada do Regimento Sampaio (1º Batalhão de Infantaria Motorizada, de Duque de Caxias), no Alto da Serra, dirigentes sindicais se mobilizavam, cedo de manhã, para fazer piquetes nas fábricas, em resposta à convocação de greve geral feita pelo Comando Geral dos Trabalhadores (CGT) e conclamada por nota do Conselho Sindical de Petrópolis.

De acordo com Rubens de Castro Bomtempo (Estação Petrópolis: memórias de um médico que não perdeu o trem da história, 2006), o prefeito Flávio Castrioto, dada a gravidade da situação nacional, convocou vereadores, sindicalistas e representantes das classes patronais para uma reunião no seu gabinete.

É importante destacar, com base em notícia divulgada no Jornal de Petrópolis no dia 2 de abril de 1964, as diferenças de posição entre os sindicalistas e os políticos. O Conselho Sindical, presente na reunião, leu a nota que o prefeito não quis assinar, na qual se propunha: a paralisação geral de todas as atividades industriais; a manutenção dos serviços públicos essenciais e do comércio de gêneros, inclusive farmácias, leiterias e padarias, em pleno funcionamento; a integração de todos os meios de comunicação numa cadeia nacional da legalidade – plano a ser executado por uma comissão dos sindicatos em conjunto com a Prefeitura e a Câmara dos Vereadores. De acordo com o cronista João Francisco (Jornal de Petrópolis, 10/04/64: “O Prefeito nos acontecimentos do dia 1º de abril”), o chefe de polícia da cidade tinha ordens expressas do secretário de segurança do estado, Herval Basílio, para não reprimir os piquetes.

Alguns pontos da nota do Conselho merecem destaque: em primeiro lugar, apesar de se colocar a reboque do governo municipal do ponto de vista do encaminhamento das medidas propostas, os dirigentes sindicais propunham a greve geral em defesa do governo de Goulart e contra o golpe, mas neste aspecto se distinguiam da orientação do CGT para quem a paralisação deveria afetar os transportes públicos. A nota sugere o entendimento de que se tratava de um equívoco, uma vez que impediria a mobilização dos operários.

A crença no governo Goulart naquele momento era, principalmente, no dispositivo militar que o presidente da República havia montado para se proteger do golpismo em marcha desde 1961. Apolonio de Carvalho (Vale a pena sonhar, 1998) refere-se ao fato de que a direção do Partido Comunista Brasileiro confiava cegamente nesse dispositivo e não se preparara para o golpe: “As ilusões de classe pairavam sobre a esquerda que, até o último lance, acreditaria nas mentiras oficiais.” Quando o golpe foi desfechado em 31 de março, a direção partidária anunciou o voto unânime: “Vamos esperar”. (p.186-9)

Em contraposição, a nota de Castrioto publicada no Jornal de Petrópolis de 02-04-64 sob o título “Comunicado ao povo” – que, aliás, vem ao lado da manifestação do Conselho Sindical – e, apesar de mencionar “a totalidade dos Sindicatos de Trabalhadores de Petrópolis”, não contém nenhuma assinatura destas organizações. A diferença de conteúdo é clara: o governo assume um plano para garantir a tranquilidade da população.

Ao se recusar a assinar a nota do movimento sindical, Castrioto teria assumido uma posição “firme”, “serena” e “equilibrada” para evitar “baderna e agitação nas ruas”, de acordo com o cronista Celio S. Thomaz (Jornal de Petrópolis, 7/04/1964) e de atuar “em favor da ordem e da tranquilidade da família petropolitana”, conforme manifesto da Associação Comercial e Industrial de Petrópolis publicada no mesmo jornal em 14 de abril de 1964. É sintomático que a primeira-dama, Heloisa Castrioto, em nota assinada em 4 de abril e publicada no dia seguinte no Jornal de Petrópolis, informava ter sido apenas uma das organizadoras da Marcha da Família, com Deus e pela Liberdade acontecida em 2 de abril na Guanabara, citando nominalmente Ana Maria Derickson, Renée Lamonier, Léa Fontenelle, Dayse Dale, Nelly Rubinstein e Sara Levi. Como a maioria dos políticos da situação, Castrioto fazia um jogo duplo, na esperança de que pudesse se manter no poder passada a tempestade golpista.

Ainda no que diz respeito à reunião na prefeitura de Petrópolis na tarde do dia 1º. de abril, quando Carneiro Malta, após ter captado informação de rádio, anunciou a notícia da deposição de Goulart, os presentes, entre atônitos e revoltados, ouviram contra eles a voz de prisão de Wilson Madeira, jornalista e policial. Na confusão, ameaça de briga e “deixa-disso”, ninguém foi preso naquele momento. Isso aconteceu imediatamente nos dias 2 e 3 de abril, por meio das invasões das sedes e da prisão das lideranças de esquerda no movimento sindical e partidário. De acordo com as memórias de Bomtempo, uma parte das prisões aconteceu na ambulância do sindicato dos têxteis confiscada pela polícia política, então praticamente representada por Wilson Madeira.

As prisões ocorriam sem ordem escrita e sem motivo específico, do ponto de vista criminal. Presos pela “operação de limpeza contra comunistas e pelegos” desencadeada a partir do Alto Comando das Forças Armadas com amplo apoio e mesmo participação do empresariado, num clima de denúncia generalizada, mais de uma centena de dirigentes e ativistas sindicais, vereadores vinculados à classe trabalhadora e lideranças de esquerda do PCB, PSB, PTB e Grupo de 11, ficaram detidos na 67ª Delegacia de Polícia, no Batalhão de Caçadores  ou foram encaminhados para o DOPS em Niterói. A justiça, logo depois, formalizava a sanha repressiva com a decretação das prisões preventivas, baseadas na legislação de segurança nacional então vigente, a Lei no. 1.802, de 5 de janeiro de 1953, assinadas pelos juízes Antonio Neder e Paulo Gomes da Silva na 3ª Vara Criminal que funcionava no antigo Fórum de Justiça de Petrópolis.

A Comissão é formada por: Eduardo Stotz – sociólogo e historiador, pesquisador da Fiocruz; Glauber de Oliveira Montes – historiador e professor; João Fabre dos Reis – advogado trabalhista; Maria Helena Arrochellas – teóloga e coordenadora do Centro Alceu Amoroso Lima para a Liberdade; Rafane Valoura Paixão – historiadora e Roberto Schiffler Neto – sociólogo e professor.

Endereço e acesso: Prefeitura Municipal de Petrópolis – Avenida Koeler, 260 – Centro – Petrópolis – RJ – Tel.: (24) 2246-9325. Facebook.com/cmvpetropolis – [email protected]

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