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[Coluna] As cassações dos prefeitos pela ditadura militar e o suicídio político de Fabiano Gomes

por Eduardo Stotz, presidente da CMV

Em 28 de junho de 1966, a ditadura militar baixa o Ato Complementar no. 11, determinando a intervenção nos municípios nos quais ocorresse a vacância dos cargos de prefeito e vice-prefeito. Foi uma resposta às eleições de 1965, nos quais representantes políticos que tinham vínculos históricos com o “populismo” (coligação do PSD com o PTB) conseguem algumas vitórias, como Negrão de Lima, no Estado da Guanabara e Israel Pinheiro, em Minas Gerais. Uma justificativa bastante clara aparece, anos depois, na ata da 48ª. Sessão do Conselho de Segurança Nacional, realizada em 29 de abril de 1969, na qual o general -presidente Costa e Silva afirma: Já declarei que nos não temos a pretensão de limpar completamente a área política, operaria, etc. porque isto seria impossível. Procuramos criar um exemplo, que sirva de aviso porque não podemos continuar da maneira que estava. Analisamos o interesse nacional, o interesse do País, principalmente no que tange a tranquilidade social e política. (Arquivo Nacional/CSN/Atas. Os grifos são nossos.) Em Petrópolis, o primeiro atingido em nome do “interesse nacional” expresso no Ato Complementar é o prefeito Flávio Castrioto, por discordar da escolha do sucessor do general Paulo Torres, governador do Estado do Rio de Janeiro no período de 1964 a 1966. Prefere o nome de Raymundo Padilha, conhecido integralista (variante brasileira do fascismo), então líder do governo da ditadura militar na Câmara dos Deputados. Mas a ditadura impõe com mão de ferro os sucessores na máquina dos executivos estaduais e, no Rio de Janeiro tem de ser Geremias de Mattos Fontes, do Partido Democrata Cristão (PDC). Ressalte-se que Padilha não é descartado: a vez dele chega depois, na indicação militar para a sucessão do governo fluminense, em 1971.

A cassação de Castrioto acontece em 4 de julho de 1966. Seu vice, Rubens de Castro Bomtempo, contrariando orientação expressa do general Golbery do Couto e Silva, chefe do SNI, conforme as memórias do próprio Bomtempo (Estação Petrópolis: memórias de um médico…), não quis renunciar e resolveu assumir a vacância, para ser cassado quinze dias depois. Vem o período da interventoria do ex-comandante da Panair, Fernando Sérgio Ayres da Motta, outro prócer do PDC e que terá, mais tarde, um papel importante no funcionamento da chamada Casa da Morte. Pois bem, no período seguinte à cassação de Castrioto e Bomtempo, durante o segundo semestre de 1966, toma corpo uma tentativa de bloquear a candidatura de Paulo Gratacós pelo Movimento Democrático Brasileiro (MDB). Esta tentativa vem articulada de dentro da polícia política em Petrópolis. Envolve o nome de Fabiano Luiz de Pércia Gomes.

Uma parte do processo é narrada na biografia de Paulo Gratacós, escrita por Paulo Cesar dos Santos (Gratacós: missão quase cumprida, 1988).

A Convenção do MDB em 25 de agosto de 1966 indica dois candidatos a prefeito, empatados no voto dos delegados, Gratacós e Zezé Lemos, cujos candidatos a vice-prefeitos, são, respectivamente Paulo Rattes e Fabiano Gomes, nas sub-legendas do MDB-1 e 2, como a legislação eleitoral da ditadura prevê. A campanha desenrola-se mas, para surpresa geral, no dia 13 de outubro (…) o Promotor de Justiça Gil Castello Branco impugna a candidatura de Gratacós com base em informações prestadas pelo SNI, DOPS, 1º. BC e Delegacia Regional. Além da acusação de ser o candidato do ex-prefeito Rubens de Castro Bomtempo, cassado em seus direitos políticos, teria participado de um comício no Alto da Serra no qual defendeu Demistóclides Batista (“Batistinha”), líder ferroviário e também com direitos políticos cassados.  O nome de Fabiano Gomes aparece como suposto informante. No mesmo dia da impugnação, ele publica declaração na qual recusa esse papel, denuncia a manobra política para derrotar o MDB. Quatro dias depois, caluniado por seus inimigos, Fabiano Gomes não consegue resistir à pressão em que se encontra e desfecha um tiro de revólver no ouvido.

As razões políticas do suicídio de Fabiano Gomes encontram-se apresentadas no ofício no. 827, de 18 de outubro de 1966, de Sérgio Rodrigues, Delegado da 11ª Região Policial, encaminhado ao Secretário de Segurança Pública do Estado, no qual ele caracteriza o sombrio panorama político em Petrópolis decorrente do processo que culmina naquela tragédia. O processo, afirma, nasce de documentos entregues à Justiça Eleitoral pelo comissário Wilson Madeira, chefe do DPPS, também enviados ao Coronel Carvalho, do SNI.  A certidão fornecida pelo DPPS aos candidatos contém, em relação a cada um deles, o nome do informante. O Jornal de Petrópolis publica o nome de Fabiano Gomes. No ofício, o delegado regional questiona a veracidade do informe, cogita motivo da vingança política, notifica afirmação do coronel Torres Marques desmentindo a participação do 1º. BC no processo e atribui a responsabilidade do desfecho a Wilson Madeira. No mesmo dia 18, o juiz da 29ª Zona Eleitoral nega a impugnação da candidatura de Gratacós, numa longa sentença que desconstrói publicamente a manobra da polícia política.

(Imagem: foto publicada pelo Jornal de Petrópolis em 17 de outubro de 1967, disponível no Arquivo Municipal de Petrópolis)

A Comissão é formada por: Eduardo Stotz – sociólogo e historiador, pesquisador da Fiocruz; Glauber de Oliveira Montes – historiador e professor; João Fabre dos Reis – advogado trabalhista; Maria Helena Arrochellas – teóloga e coordenadora do Centro Alceu Amoroso Lima para a Liberdade; Rafane Valoura Paixão – historiadora e Roberto Schiffler Neto – sociólogo e professor.

Endereço e acesso: Prefeitura Municipal de Petrópolis – Avenida Koeler, 260 – Centro – Petrópolis – RJ – Tel.: (24) 2246-9325. Facebook.com/cmvpetropolis – [email protected]

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