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Colunas

[Para&Pensa] Filosofia na escola, sim!

por Daniel Martinez de Oliveira

A Filosofia parte do pressuposto de que a noção de realidade que temos não é natural e não pode ser vista como a única possibilidade de entendimento do mundo. Nessa perspectiva, tudo que nos é apresentado como fato, tudo o que nos é apresentado como natural deve ser desnaturalizado, relativizado, repensado e, talvez, desconstruído.

A Filosofia, enquanto campo do saber e enquanto disciplina, nos ajuda a pensar o mundo e toda a realidade que nos cerca de forma aberta. Ou seja, ela nos apoia, não no sentido de reforçar os estereótipos que nos são apresentados como únicas possibilidades, mas de nos ajudar a pensar, analisar, reconhecer pontos de vista e tomar uma posição – relativa – sobre os fenômenos e as ideias.

A Filosofia nos auxilia e nos ensina a pensar. E pensar exige sair da “zona de conforto” que a nossa socialização tende a criar em nosso entorno. E sair da zona de conforto significa contestar as ideias mais sólidas que nos transmitiram, ou que criamos, em torno do conhecimento que nos foi passado. Significa contestar a realidade dada como certa e imutável. E nos coloca, de imediato, em confronto com forças que tentam manter intactas essas ideias e as interpretações sobre os fenômenos em nossa volta.

A Filosofia, em sua tarefa de “desmistificar” a realidade, nos empurra na direção do abismo das ideias, em que a segurança dos fatos incontestáveis deixa de existir. E a atitude perante a desnaturalização das ideias, antes tidas como reais, nos joga em uma arena de disputa de diferentes interpretações para as mesmas ideias e os mesmos fenômenos.

Descobrimos, com a Filosofia, que tudo o que parece ser pode não ser exatamente o que parece. E descobrimos também que o nosso ponto de vista pode não ser o único, e que a verdade não existe enquanto fato puro, pois precisa de uma mente para pensá-lo, representá-lo, entendê-lo. E que essa mente faz parte de um indivíduo, e que esse indivíduo faz parte de grupos e de uma sociedade, e tem uma posição social, e vive em um tempo histórico e faz parte de uma cultura.

Passamos a ver então, com a Filosofia, que os diferentes pontos de vista representam diferentes “verdades” provisórias, que podem ou não mudar a partir da nossa intervenção. Ou que, quando intervimos, podemos também mudar a nossa própria posição.

Com a Filosofia, passamos a entender que podemos expressar nossos pontos de vista por meio de argumentos. Que em um debate podemos convencer o outro, ou sermos convencidos por ele. Que as ideias e as opiniões não são unânimes e que, se quisermos impor uma unanimidade, estaremos alimentando uma ditadura do pensamento.

Com a Filosofia, aprendemos a respeitar. Do mesmo modo que com a antropologia aprendemos a respeitar a diversidade de culturas, com a Filosofia aprendemos a respeitar a diversidade de pensamentos.

O espaço da escola é vital para o alcance dessa relação consensual, em que a riqueza de pontos de vista aumenta a riqueza intelectual e a capacidade de convivência, de tolerância e de democracia.

A discussão atual não deveria ser se a filosofia e a sociologia mereceriam ser incluídas na grade curricular dos alunos da Educação Básica. A discussão deveria se dar em torno da questão da qualidade da educação em geral.

Alguns defendem que os alunos não sabem ler e que os professores são muito mal preparados, ou que esses mesmos professores vão fazer um trabalho de doutrinação com seus alunos.

Entretanto, não é possível imaginar o ensino de filosofia ou de sociologia sem se tomar partido de uma teoria ou linha de pensamento. Esta ideia está conectada à (falsa) noção de que pode existir a neutralidade nas ciências humanas e sociais, ou na filosofia.

Seria, sim, importante que os alunos soubessem ler e escrever. Mas isso não quer dizer que seja necessário abrir mão da filosofia ou da sociologia. Tampouco quer dizer que saber ler seja suficiente para garantir uma atitude filosófica, ou para ter êxito ao tentar desenvolver reflexões filosóficas.

Daniel é antropólogo e historiador. Trabalha como professor universitário e é servidor do Instituto Brasileiro de Museus. Atualmente administra o Palácio Rio Negro (IBRAM). Mora em Petrópolis desde 2014. Também escreve contos e poesias.

 

 

 

 

 

As opiniões contidas não representam a opinião do site; a responsabilidade é do autor da publicação.

Um Comentário

  1. Importantíssimo no cenário atual essa discussão! Que estudantes e cidadãos de modo geral possam refletir sobre o assunto e repensar suas ideias.

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