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Colunas

[Para & Pensa] Um bolo de Jesus

por Daniel Martinez de Oliveira

Um vídeo tem circulado na internet e vem deixando muita gente perplexa. Mal explicado e fora de contexto, deixou muitos católicos e evangélicos ofendidos, pelo fato de mostrar um retrato do corpo de Jesus em feitio de bolo, e por este ser cortado, distribuído e comido por algumas pessoas, incluindo uma figura política de peso.

Tratava-se, na ocasião, do ministro da Cultura da Argentina, Enrique Avogrado. O bolo em formato de corpo de Jesus fazia parte de uma mostra de arte contemporânea, de artistas da cidade de Rosário. A ideia da obra era apresentar uma noção “disruptiva” da arte sacra, ou seja, uma forma de arte que tenta romper com noções estabelecidas e imediatas.

Muitas pessoas se abismaram com o fato de um ministro de Estado ser partícipe do banquete, duramente criticado também pela Igreja Católica. Mas será que a Igreja deveria ter hegemonia sobre a representação do corpo de Jesus? Será que a arte, por mais incompreensível que possa parecer às pessoas “comuns”, deveria ser censurada?

Faço essas perguntas aos colegas que se horrorizaram com a cena. Que a estranham bem mais que as torradas com a face impressa de Jesus, ou com as toalhas e os perfumes com poderes e cheiros de Cristo. E, ainda, àqueles que devoram o corpo e o sangue de Jesus, todos os dias, em milhares de missas pelo mundo.

Há de se entender, aqui, que os contextos são completamente díspares, que aquela representação não traz uma noção de sacralidade, mas tenta provocar uma ruptura com ela. Naquele caso, seria um “antirrito”, uma “anticrença”. Ainda que invertida, pode ser uma crítica ao sagrado sem reflexão. Pode nos mostrar, facilmente, como um objeto perde seu sentido quando fora de contexto.

Mas pergunto novamente. Qual o limite da arte? Deve existir um? Até onde vai a liberdade de expressão e onde começa o desrespeito? Estariam os artistas desrespeitando os devotos? Ou estariam a Igreja e os devotos desrespeitando a obra dos artistas?

Em todo caso, o ministro se desculpou, publicamente, por ter comido um pedaço do bolo “Jesus”. Cabe dizer que o Estado na Argentina não é laico e, que apesar de haver garantias de liberdade religiosa, a constituição daquele país manda que o governo apoie o catolicismo romano.

Daniel é antropólogo e historiador. Trabalha como professor universitário e é servidor do Instituto Brasileiro de Museus. Atualmente coordena o Museu Palácio Rio Negro (IBRAM). Mora em Petrópolis desde 2014. Também escreve contos e poesias.

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