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[Para & Pensa] Em defesa dos museus e do Ibram

por Daniel Martinez de Oliveira

Em 2018, comemoramos 200 anos de fundação do Museu Real, instituição criada sob a égide dos monarcas portugueses em sua, então, recente nova capital imperial, o Rio de Janeiro. Tratava-se de uma das medidas tomadas por Dom João VI no intuito de “civilizar” essas “plagas”, que até aquele momento não passavam de domínios coloniais exóticos para a visão autocentrada da metrópole. Como primeira instituição científica pública de pesquisa, sua missão era estimular o conhecimento científico no Brasil.

O Museu Nacional, como passou a ser conhecido posteriormente, ardeu em chamas, com todo seu acervo, no último dia 02 de setembro. Muitos assistimos às cenas terrificados, enquanto o fogo consumia, pari passu, duzentos anos de pesquisas, trabalhos, relatórios, acervos, antiguidades, fósseis, espécimes, artefatos, peças, livros, registros, equipamentos e as lágrimas de dezenas de cientistas e centenas de profissionais ligados à área de museus, patrimônio e ciência, nos cinco continentes. O fato gerou sentimentos de raiva, desespero, comoção em parte das pessoas que batalham pelo setor no Brasil. A sociedade em geral sentiu o que os funcionários, servidores e pesquisadores em museus públicos vivenciam no dia a dia.

Todos sabemos que só é possível gerir, adequadamente, equipamentos do porte de um Museu Nacional com verbas, investimento, contratação de pessoas qualificadas, divulgação, democratização do acesso, autonomia, valorização, prioridade. Mas o governo federal, responsável pelas parcas verbas direcionadas à instituição, gerida pela UFRJ há décadas, na contramão do que se supunha para os duzentos anos do museu, vinha cortando, escandalosamente, os recursos a ele destinados. O governo esteve ausente até mesmo nas comemorações, já que nem o ministro de Estado da Cultura esteve presente na celebração dos 200 anos.  Descaso maior, impossível!

Este mesmo governo, agindo de forma impetuosa e autoritária, preparou, sem que nenhuma entidade ou representante da área de museus fosse consultada, uma Medida Provisória (nº 850), apresentada de forma arbitrária e arrogante, alguns dias depois. Um verdadeiro golpe sobre um setor já ameaçado pela falta de reconhecimento governamental. A medida anunciava a extinção da Instituto Brasileiro de Museus (IBRAM) e a criação da Agência Brasileira de Museus (ABRAM), a entrega dos 27 museus federais administrados pela autarquia à nova agência, a redistribuição dos servidores para o Ministério da Cultura e a substituição da estrutura do órgão por uma nova e obscura secretaria dentro do MinC.

Com essa medida, o governo retira do poder público a guarda de museus e acervos do IBRAM – pelos quais os servidores têm o compromisso e a responsabilidade de zelar – e os entrega à iniciativa privada, que deles fará uso segundo a lógica comercial de mercado. Além disso, toda a política de museus perde força com essa medida, já que a elaboração e a manutenção das políticas na área ficarão a cargo de uma anêmica secretaria.

Hoje nós temos, no Brasil, um cenário de 400 servidores federais dedicados à manutenção e às atividades desses museus, bem como às políticas para todos os museus do país. Esta é a estrutura do IBRAM em números humanos. Para se ter uma ideia, só o Louvre tem cerca de 1.500 funcionários!

É falaciosa a ideia de que, ao entregarmos essa estrutura à iniciativa privada, a gestão irá melhorar. Quem garante que os 200 milhões que o governo pagará à ABRAM serão melhor geridos? Por que, ao invés de criar uma agência de forma antidemocrática, não aumentar o investimento no setor?

Nós, enquanto sociedade, levamos 6 anos discutindo a implementação e a implantação do IBRAM. É inaceitável que um governo altamente impopular – e com uma plataforma de ação política não eleita – possa, com uma vil canetada, desfazer esse marco, desmontar essa referência e destruir este instituto que serve de modelo para vários países da América Latina e da Europa. Um instituto com moldes avançadíssimos.

Não podemos acolher essa medida provisória, deixar que ela prospere. É inadmissível ver nossa política de museus ir por água abaixo. Não se pode aceitar essa demolição, deixar que o IBRAM se torne um novo Museu Nacional: uma edificação linda por fora, mas consumida e totalmente arrasada por dentro.

*As opiniões emitidas não correspondem ao posicionamento oficial do Ibram, sendo exclusivamente pessoais.

Foto: reprodução Tânia Rêgo/Agência Brasil/Agência Brasil

 

Daniel é antropólogo e historiador. Trabalha como professor universitário e é servidor do Instituto Brasileiro de Museus. Atualmente coordena o Museu Palácio Rio Negro (IBRAM). Mora em Petrópolis desde 2014. Também escreve contos e poesias.

As opiniões contidas não representam a opinião do site; a responsabilidade é do autor da publicação.

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