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Saúde

Infectologista fala sobre medidas preventivas e aspectos clínicos do coronavírus

Com o intuito de esclarecer as principais dúvidas relacionadas ao Covid-19, reproduzimos abaixo uma matéria da Fiocruz, que entrevistou o vice-diretor de Serviços Clínicos do Instituto Nacional de Infectologia Evandro Chagas (INI/Fiocruz) e médico infectologista, Estevão Portela Nunes, para falar mais sobre as medidas preventivas e os aspectos clínicos da doença. Confira:

INI/Fiocruz: O que é o novo coronavírus?

Estevão Portela: Os coronavírus são vírus conhecidos por causar infecções respiratórias e, em geral, provocam resfriados leves. Eles estão associados a um terço dos casos registrados no mundo nas épocas mais frias. O novo coronavírus, nomeado pela Organização Mundial de Saúde como Covid-19, é um vírus RNA com alta capacidade de mutação. Existem quatro gêneros deles: alfa, beta, delta e gama, sendo alfa e beta os únicos capazes de infectar seres humanos. Além do ser humano, o coronavírus pode infectar também diversas espécies de animais.

O que vem acontecendo desde o início deste milênio é o que conhecemos como “salto de espécies”. O vírus vai de uma espécie onde ele é o parasita habitual para a espécie humana. A consequência desse “salto” é o surgimento de um novo agente etiológico de infecção respiratória na população humana. Isto já ocorreu algumas vezes e está se repetindo agora.

Desde 2002 tivemos três novos coronavírus com alta taxa de mortalidade e potencial para causar pandemia: o Sars-CoV em 2002, o Mers-CoV em 2012 e agora o Covid-19. De uma forma geral, a gente acredita que o morcego esteja na base de todos esses “saltos” entre espécies, mas normalmente são associados a um animal intermediário.

Na época do Sars, em 2002, foi a civeta que provocou a transição entre o morcego e o ser humano. Em 2012, dez anos depois, foi um dromedário o responsável pela transmissão do Mers. Agora o morcego é suspeito ser a origem do “salto” de 2019, mas ainda não sabemos que animal funcionou como hospedeiro intermediário até chegar ao homem.

É importante ressaltar que muito rapidamente a China conseguiu identificar o agente causal da doença. Isso não ocorreu por acaso. É fruto do grande investimento em tecnologia que eles vêm fazendo ao decorrer dos anos. Além da identificação rápida eles também conseguiram decifrar praticamente todo o genoma do vírus. Divulgou-se por database para toda comunidade científica e o mundo inteiro teve acesso ao código genético de um novo patógeno que estava acontecendo em uma província na China já em busca de soluções.

INI/Fiocruz: Qual a gravidade dos coronavírus?

Estevão Portela: O Sars-CoV foi causa de uma pneumonia atípica reconhecida inicialmente na província de Guangdong, na China. Em março de 2003 o vírus foi identificado e chegou a espalhar-se por 29 países. Em julho desse mesmo ano a OMS já tinha declarado o fim desta epidemia com 8.096 casos e 774 mortes. Em 2012 apareceu o Mers, que provocou uma epidemia no Oriente Médio com 2.494 casos e 858 mortes em 27 países. Permanece restrito à Península Arábica, então não é uma epidemia que foi completamente contida.

O que aconteceu com o Covid-19 é que inicialmente ele aparentava ter uma alta letalidade e isso provocou grande preocupação, mas posteriormente foi descoberto que não era assim. Do ponto de vista de saúde pública o que aconteceu é que o número de pacientes que veio a óbito diminuiu, mas o número de diagnósticos de infecções leves ou assintomáticas aumentou muito, mostrando uma capacidade de disseminação suficiente para ser um patógeno causador de pandemias.

INI/Fiocruz: Quem está mais propenso a desenvolver casos graves com o Covid-19?

Segundo estudo sobre o início da epidemia na China publicado no Lancet, a maior parte dos casos, principalmente os graves, foram registrados em indivíduos entre 45 e 65 anos.

A comunidade científica percebeu também que a letalidade da doença vai aumentando quando associada a problemas cardiovasculares, diabetes e doenças renais crônicas. Além disso, a letalidade do Covid-19 aumenta muito quando o paciente ultrapassa os 70 ou 80 anos e tem uma maior vulnerabilidade a formas graves de infecção respiratória.

INI/Fiocruz: Como acontece a transmissão do Covid-19?

Estevão Portela: O Covid-19 é transmitido a partir de gotículas que tem que chegar de uma pessoa para outra. A pessoa tosse, expectora, as vezes a mão dela fica infectada com essas gotículas e transmite o vírus através do contato. Por isso a lavagem das mãos é um dos aspectos mais importantes para combater o surto de coronavírus. Embora o álcool em gel seja importante, o uso de água e sabão já é eficiente para combater o vírus. Isso serve para qualquer coisa, em qualquer época e para qualquer epidemia. A lavagem das mãos é um aspecto extremamente importante.

INI/Fiocruz: Quais os quadros clínicos associados à infecção pelo Covid-19?

Estevão Portela: Existem os casos assintomáticos, aqueles em que as pessoas simplesmente possuem o vírus, mas não apresentam nenhum sintoma. Há o caso do paciente com um mal-estar, dor de garganta, dores musculares (mialgia), que muitas vezes nem procura um médico pois parece um resfriado comum com febre e tosse seca. Todos nós nos sentimos assim em algum momento da vida e não procuramos um médico. Existem casos que evoluem para uma pneumonia leve, que é quando o paciente eventualmente vai procurar um hospital. Talvez fique com cateter de oxigênio, mas não vai precisar muito mais do que isso. Quando o quadro evolui para uma pneumonia grave precisa de suportes como máscara para fazer uma pressão positiva ou oxigênio com alto fluxo. É nesse momento que a situação complica. O paciente entra na Síndrome da Angústia Respiratória Aguda (Sara), que é um quadro de injúria pulmonar grave. Ele evolui para um quadro de disfunção orgânica, disfunção renal, disfunção do sistema nervoso central, cardíaca, caracterizando o que a gente chama de um quadro de sepse. Tradicionalmente a gente entende sepse como uma infecção bacteriana, mas outros patógenos podem causar um quadro semelhante até chegar ao choque circulatório. O paciente começa a não ter pressão no sangue e precisa de suporte para conseguir manter irrigação adequada dos tecidos. O paciente pode apresentar qualquer um desses quadros, mas estes são os mais intensos.

O paciente com coronavírus começa a ficar grave, em geral, a partir do quinto ou sexto dia da doença. Nos primeiros dias não fica tão mal e isso é algo complicado porque ele fica transmitindo o vírus pela comunidade. O paciente só é admitido no hospital em torno do sétimo dia e este é um aspecto epidemiológico marcante neste tipo de infecção.

O que chama muito a atenção em relação ao Covid-19 é que, embora a letalidade não seja tão grande, a taxa de internação é alta, algo em torno de 10 a 20% dos casos.

INI/Fiocruz: Quais são os desafios para o enfrentamento do Covid-19?

Estevão Portela: A primeira questão a considerar é que todos os quadros clínicos podem transmitir a doença. É óbvio que a gente imagina que quanto mais vírus na via respiratória, maior a possibilidade de transmissão. A gente acredita também que quanto mais vírus, talvez o paciente fique mais grave, mas potencialmente uma criança ou um adolescente assintomático pode infectar o seu avô que tem, por exemplo, um enfisema. É essa a preocupação. Outro aspecto muito importante é determinar por quanto tempo uma pessoa elimina o vírus. Este é um dos grandes pontos de interrogação que nós temos.

INI/Fiocruz: A pessoa que acabou de ser contaminada pelo vírus passa a transmitir imediatamente?

Estevão Portela: Existe um tempo necessário para que o vírus se multiplique no organismo. A maior parte dos casos de transmissão que foram bem documentados ocorreram entre quatro e seis dias após a infecção. Estimamos que a pessoa possa continuar transmitindo a doença por até 14 dias.

INI/Fiocruz: O uso de máscaras em lugares como metrô e transportes públicos é necessário?

Estevão Portela: Não é recomendado. Embora a máscara cirúrgica possa ser útil em relação a evitar o vírus, já que a transmissão é por gotícula, em geral ela é mal utilizada. A pessoa na hora que vai tossir tira a máscara ou ela é posicionada de forma errada no rosto, a máscara molha e vai perdendo sua utilidade. Não recomendo o uso da máscara como equipamento de proteção individual para a população em geral. O que é fundamental é que todo mundo lave as mãos.

INI/Fiocruz: O que já foi tentado em termos de tratamento?

Estevão Portela: Boa parte dos pacientes usaram antivirais, sejam os já existentes no mercado para tratar gripe, como o tamiflu, ou outros métodos experimentais. Os corticoides apresentaram indícios iniciais de que podem ser úteis para os pacientes, mas é necessária a confirmação através de protocolos de pesquisa muito bem desenhados. Os corticoides são anti-inflamatórios potentes, mas nem sempre funcionam. Nos casos de H1N1, por exemplo, aparentemente não funcionaram. Nos primeiros casos de SARS e MERS não apresentaram impacto significativo na mortalidade e podem, inclusive, ter piorado o tempo de clareamento viral, que é quando o paciente deixa de transmitir o vírus. Temos que lembrar que o corticoide, além de um anti-inflamatório, é também um imunossupressor. Além dos medicamentos temos também as terapias de substituição como diálise, uso de oxigênio, ventilação mecânica, entre outras.

Algo importante a destacar é a campanha de vacinação de gripe. Estima-se que quase um milhão de casos de gripe na América Latina por ano resulte em internação. Se houver uma boa adesão à campanha de vacinação no Brasil a situação já vai melhorar bastante. Não vamos deixar de ter os coronavírus, mas tudo que a gente puder fazer, no sentido de evitar, é bom. Por isso é importante tomar a vacina para gripe e lavar sempre as mãos.

INI/Fiocruz: É possível comparar o Covid-19 com a Influenza?

Estevão Portela: É curioso porque a gente fala demais sobre este novo coronavírus e o vírus da influenza passa muito longe da nossa preocupação. Na verdade, a influenza já está entre nós causando muito mais problemas há anos. Segundo dados preliminares do CDC a temporada de gripe que foi de outubro de 2017 a fevereiro de 2018 levou de nove a 45 milhões de pacientes a adoecerem, causou de 140 a 810 mil internações hospitalares, e gerou 12 a 61 mil mortes nos Estados Unidos.

É importante que a gente use esses momentos para conscientizar a população de que existem viroses respiratórias graves há muito tempo e que talvez não estejamos fazendo o suficiente para evitar a sua disseminação. A previsão da OMS para este ano gira em torno de 290 a 650 mil mortes relacionadas apenas a doenças respiratórias em todo o mundo.

Para a Influenza existe vacina há pelo menos 20 anos. Existem várias questões, principalmente de adesão ao esquema vacinal, mas isso não significa que não seja útil. A vacina da gripe exige um esforço contínuo porque todo ano as cepas do vírus mudam. É necessário que os pesquisadores corram atrás disto e montem novas vacinas que deem conta dessas novas cepas. Mesmo quando a vacina não previne todas as formas de infecção, ela pode evitar as mais graves. Vacinar todo mundo certamente vai trazer um impacto para a Saúde Pública, principalmente agora que estamos enfrentando a ameaça de uma nova virose respiratória que pode sobrecarregar os serviços de saúde.

INI/Fiocruz: A transmissão via superfícies é relevante?

Estevão Portela: A forma que se apresenta mais relevante é o contato humano a humano através de gotículas. As estruturas em que as pessoas passam as mãos como maçanetas, fechaduras podem representar risco de transmissão da doença. Por isso a ênfase na importância da lavagem frequente das mãos. Caso a pessoa entre em contato com alguma superfície que tenha o vírus e lave as mãos adequadamente não terá nenhum problema.

Confira esse breve vídeo da TV Senado que ensina como lavar as mãos corretamente:

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