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[Coluna] (Re) Existência e Consciência: 200 anos de quê?

por Maria Regina Bortolini 

No marco das comemorações dos 200 anos da independência, o país vive um desafio cívico e se pergunta: 200 anos de quê? A noção de independência política está estreitamente relacionada à soberania e autodeterminação dos povos – estado de ser livre da influência ou subordinação de outrem e de decidir, por si mesmo, as questões que afetam sua própria vida. Quando os europeus aqui chegaram, encontraram povos independentes, soberanos, autodeterminados. No entanto, não confraternizaram com eles, mas os colonizaram. A colonização se deu a partir de um modelo de expansão, dominação e exploração econômica, e de um projeto civilizatório. Não sem resistência, se perpetuou por quase cinco séculos estruturando aquilo a que nos acostumamos a chamar de Estado-nação modernos. Mas será que a independência trouxe soberania e autodeterminação aos nossos povos? Infelizmente não. Afinal, a colonização histórica não terminou com a independência dos povos, pois as relações de colonialidade não findaram com a destruição do colonialismo.

O colonialismo refere-se à dominação política e econômica de uma nação sobre outra. É um processo histórico que se finda com a descolonização ou independência dos povos. Já a colonialidade não está limitada a um período temporal específico mas, segundo Aníbal Quijano, ao contrário, denota a continuidade temporal de formas de poder, resultante da experiência colonial: a colonialidade do poder, do saber e do ser.

A colonialidade do poder é a continuidade das estruturas e relações de poder que engendraram o capitalismo moderno. Na geopolítica global, a colonização garantiu a continuidade da dependência econômica, mesmo para aqueles que de forma mais ou menos revolucionária, conquistaram a sua independência política.

Mas o poder colonial não se ancora apenas na dimensão político-econômica. Há um poder simbólico que o sustenta. No projeto civilizador da modernidade a criação da noção de raça naturaliza os colonizados como inferiores aos colonizadores, justificando a usurpação de seu patrimônio, a negação de seus saberes e as múltiplas violências sobre seus corpos. A modernidade, portanto, está relacionada com uma subjugação epistêmica – colonialidade do saber; ancorada em racionalidades eurocentradas, que tomam o homem, branco, hétero como um universal e, por consequência, negam outras epistemes, outras culturas, produzidas por outros sujeitos e por outros povos. Todos esses processos se encerram na racialização dos corpos, na colonialidade do ser. Afinal, a experiência humana não se dá num vazio existencial, mas a partir de um sujeito encarnado, corporificado. Na colonização, os corpos não-brancos foram desumanizados, escravizados, violados, consagrando a superioridade do corpo branco. Mas o fim da escravidão não pôs fim à negação sistemática dos corpos subalternizados. Estereótipos raciais foram revitalizados, políticas de morte foram atualizadas.

Vivemos hoje, portanto, uma profunda crise civilizatória. É preciso, nesse momento, descolonizar nossos povos, nosso pensamento, nossos corpos. Produzir uma reflexão crítica sobre esse sistema-mundo capitalista, patriarcal, moderno. Mais que isso, reconhecer como o racismo epistêmico sufoca e silencia nossas vozes. Compreender como o processo civilizador produziu e ainda produz sofrimento aos nossos corpos. Reivindicar que as diferentes corporalidades que constituem a diversidade humana no Brasil possam existir, reexistir. Problematizar a construção de nossa identidade, reencontrar nossas origens afro-indígenas, entrelaçar nossas diferenças e inventar novas possibilidades de (re) existência e consciência! Em tempos de desafio cívico é preciso ter consciência do que somos e queremos ser. Por um Brasil mais humano, mais justo e solidário!

Maria Regina Bortolini é antropóloga, professora e integrante da Comissão Científica da 28ª Semana Científica da UNIFASE/FMP.

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