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Coluna Literária

[Coluna literária] “Amor nos Tempos de Fúria” – Lawrence Ferlinghetti

Paris, 1968. O mundo inteiro fervilhava com manifestações em prol da liberdade. Uma nova frente da juventude alardeava o fracasso de todo progresso do ocidente e tentava buscar novas formas de se orientar no mundo. Esquerda e direita viravam insígnias violentas de regimes que só demonstravam que o Estado, tal como se organizava, só poderia gerar uma coisa: controle, violência e barbárie. Entre essas manifestações, uma grande história de amor, maior até, talvez, que os próprios atos de 1968. Esta é a história de Amor nos Tempos de Fúria.

Amor nos Tempos de Fúria, de Lawrence Ferlinghetti, conta a história do casal Annie e Julian. Passados dos quarenta anos de idade, um dia, os dois se encontram e resolvem algumas e muitas outras vezes estarem juntos. Ela é uma pintora e professora idealista, está ao lado dos estudantes e dos jovens. Ele, um rico banqueiro, um homem poderoso que se diz anarquista, incapaz de aderir a essa sociedade. A obra é sobre esse encontro: dela ao tentar acreditar nele e dele, ao tentar fazê-la entender o que sente, vive e acredita.

A obra é toda permeada pelos eventos de 1968 em Paris, dentre as manifestações que começam os estudantes da Sorbonne – com faixas, gritos de ordem e pichações – e se estende pela greve geral de trabalhadores, sindicalistas e operários. Dos restaurantes e dos altos prédios, Julian e Annie podem presenciar os movimentos que começam, quase sempre, com uma pequena reunião e terminam na barbárie da violência policial. Para Julian, anarquista, a forma de composição do Estado levava a tal violência:

“(…) todo o castelo de cartas, o enorme Estado que foi construído para controlar tudo, fica cada vez maior, com mais e mais regras e regulamentações para submeter o homem comum, sua preciosa e mínima liberdade mais e mais reduzida para encaixar, para que ele se encaixe na maquinaria, o pequeno dente de engrenagem sem o qual nada funciona, os bilhões de dentinhos da engrenagem tão importantes para o funcionamento da máquina monstruosa, e ai de quem não ficar no lugar ou de quem sair da linha, de quem não se ‘sincronizar’.”

E atesta com a máxima:

“O Estado vendeu ao homem comum uma fraude chamada Contrato Social, e o Estado teve de construir uma enorme Mentira Social para que servisse de sustentação.”

Annie, esquerdista, envolvida até o osso com os jovens e as forças das ruas, mas que começava a amar Julian, no entanto, não acreditava em sua sinceridade:

“Não acredito no que você diz… não acredito em você. Nem um pouco! (…) o tempo todo ignorando o que está acontecendo nas ruas agora mesmo, e ignorando o que tem acontecido comigo. (…) Então é a isso que chegamos… Ou você está com os estudantes ou está contra eles, não há mais como ficar em cima do muro. E não tenho como saber onde você está em tudo isso, de que lado você está…”

Este é o momento em que Ferlinghetti, imerso na contracultura e na geração beat, dá a volta ao pensamento. Enquanto Annie criava um impasse entre “participar” ou “ser alienado”, Julian descobria uma forma de tornar o sistema a ruir por dentro – ir contra ele mesmo. Assim, ele oferece um plano de fuga, um plano que, caso desse certo, destruiria o centro do poder financeiro. O mais genial, a meu ver, é que Ferlinghetti, por fim, não realiza sua utopia por completo, mas celebra a possibilidade de se construir um mundo baseado no afeto, por fora dessas lógicas entre ideologias, conjunto de ideias que se impõe a si e aos outros, e por fora dos mecanismos do capital.

O Amor nos Tempos de Fúria é uma obra sobre o amor que precisa triunfar por de dentro da fúria, qualquer que seja. Talvez, para isso, seja preciso dar um passo atrás e entender, mais uma vez, qual o papel de uma palavra simples chamada “outro”:

“Julian viria ou não viria com suas respostas, e ela se deitaria com os animais ali, deitaria entre as gramíneas quentes, com a carne que era carne dela também, sentiu os lábios de Julian sobre os dela, naquele campo dourado no fim dos tempos, onde todos os seres respiravam como um só, e agora pássaros brilhantes voavam em linha no céu, muito longe, a  luiz do sol, brilhando neles, e voavam para o oeste.”

luizLuiz Antonio Ribeiro Formado em Teoria do Teatro pela UNIRIO, mestrando em Memória Social na área de poesia brasileira e graduando do curso de Letras/Literaturas. É adepto da leitura, pesquisa, cinema, cerveja, Flamengo e ócio criativo. Em geral, se arrepende do que escreve. Facebook:http://www.facebook.com/ziul.ribeiro Twitter: http://www.twitter.com/ziul

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