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Coluna Literária

[Coluna literária] “O Evangelho segundo Jesus Cristo” – José Saramago

Ateu confesso, José Saramago enfrentou duras críticas quando lançou “O Evangelho segundo Jesus Cristo”, que conta a vida de Jesus sob um viés não religioso, mas com um olhar crítico sobre as religiões.

Em nenhum momento o autor é desrespeitoso, porém, ao abordar ninguém menos que Jesus Cristo de uma forma tão natural, a obra chegou a ser vetada pelo governo português de se candidatar ao Prêmio Literário Europeu, resultando na mudança de Saramago para a Espanha, onde viveu até morrer.

Na obra, acompanhamos desde à concepção até a morte de Jesus, que começa descrevendo Maria e Maria Magdalena chorando ao pé da cruz, para logo depois partir do princípio com Maria recebendo a visita de uma figura misteriosa anunciando que estava grávida e carregando o filho de Deus, a desconfiança de José, a fuga para Belém, o nascimento de Jesus, sua adolescência rebelde, sua fuga de casa em busca de respostas, sua primeira relação com uma mulher, os primeiros milagres até o encontro com aqueles que se tornariam seus discípulos e seu triste final na cruz.

O interessante é que o autor humaniza os personagens e se permite especular como teriam sido momentos da vida de todos eles e que até hoje geram dúvidas e discussões como a vida conjugal de José e Maria, seus filhos e filhas que teriam sido concebidos depois de Jesus, a morte de José, os anos que Jesus passou longe de casa, como ele teria conhecido Maria Magdalena e se apaixonado por ela, etc.

Um dos pontos de destaque é o diálogo entre Deus, o Diabo e Jesus, onde ele pergunta porque terá que morrer, o que vai acontecer após sua morte, e a resposta de Deus é um tanto dura e até vaidosa, ao revelar acontecimentos que culminaram na morte de milhares como as Cruzadas, o período da Inquisição, além de detalhar as mortes cruéis de seus discípulos e de muitas pessoas que disseminaram o catolicismo e mais tarde foram canonizadas.

“(…) as palavras dos homens são como sombras, e as sombras nunca saberiam explicar a luz, entre elas e a luz está e interpõe-se o corpo opaco que as faz nascer, Perguntei-te pelo futuro, É do futuro que estou a falar, O que quero que me digas é como viverão os homens que depois de mim vierem, Referes-te aos que te seguirem, Sim, se serão mais felizes, Mais felizes, o que se chama felizes, não direi, mas terão a esperança duma felicidade lá no céu onde eu eternamente vivo, portanto, a esperança de viverem eternamente comigo, Nada mais, Parece-te pouco viver com Deus, Pouco,muito ou tudo, só se virá a saber depois do juízo final, quando julgares os homens pelo bem e mal que tiverem feito, por enquanto vives sozinho no céu (…)”

Um ponto interessante a ser observado, e que pode ser um pouco confuso num primeiro contato com uma obra do autor, é a ausência de aspas e travessões nos diálogos. Saramago utiliza somente vírgulas e letras maiúsculas para sinalizar a mudança do locutor e os parágrafos são bem longos, mas isso é apenas um detalhe diante da riqueza da obra. “O Evangelho segundo Jesus Cristo” é o tipo de livro que te faz parar o tempo todo para destacar uma frase ou um trecho, de tão belamente narrado que é (e para procurar o significado de algumas palavras no dicionário também).

Abaixo, separei alguns destes trechos:

“Era a hora em que o crepúsculo matutino cobre de cinzento as cores do mundo.”

“O espelho e os sonhos são coisas semelhantes, é como a imagem do homem diante de si próprio.”

“O barro ao barro, o pó ao pó, a terra à terra, nada começa que não tenha de acabar, tudo que começa nasce do que acabou.”

“Pois o deserto não é aquilo que vulgarmente se pensa, deserto é tudo quanto esteja ausente dos homens, ainda que não devamos esquecer que não é raro encontrar desertos e securas mortais em meio de multidões.”

“Se o homem tem sido, com, igual constância, lobo e carrasco do homem, com mais razões ainda continuará a ser o seu coveiro”.

“Quantas e quantas vezes, para poder exibir e gabar-se de um corpo limpo, a alma a si mesma se carregou de tristeza, inveja e imundície.”

“O céu acompanha a minha dor, tolos somos, que o céu, nisso, é de uma perfeita imparcialidade, nem se alegra com as nossas alegrias nem se entristece com as nossas tristezas.”

“Quero estar onde a minha sombra estiver, se lá é que estiverem os seus olhos.”

 

Não é à toa que José Saramago é um dos maiores nomes da literatura em língua portuguesa. E se você ainda não conhece nada do autor, fica aqui a minha sugestão!

 

Marianne Wilbert

Jornalista, pós-graduada em mídias digitais.
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