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O Lado Bom da Vida – Tragédia que Escapa

Uma coisa que sempre me fascinou, e acho que sempre fascinará, é uma tendência natural que algumas pessoas têm de serem hereges. Nietzsche propunha que nós deveríamos nos livrar das metáforas repetidas para impedir que elas se tornem “verdades cristalizadas”. O mesmo serve à heresia: ela “dessacraliza” os conceitos, inverte as hierarquias, bagunça a estabilidade e recoloca o mundo numa tensão entre mentira, ironia e verdade, que, oscilantes, permanecem em uma zona de limbo. A arte para Nietzsche é o lugar da potência desse desarranjo conceitual, mas pra mim, é o lugar da heresia.

O que se tem visto em arte, principalmente no cinema comercial, é a incapacidade de desvinculação das formas estabelecidas e da violentíssima máquina publicitária das grandes empresas de venda de ideais de consumo. Ao mesmo tempo, se vê que aqueles que não querem se integrar a máquina ou se afastam da arte pela completa incapacidade de realizar suas obras ou então passam a vida batendo cabeça na parede em busca de um lugar, pequeno que seja, nos meios de produção artística.

Algumas obras, no entanto, pegam uma tangente e de dentro do sistema fazem um filme à lá sistema, com uma eficácia tremenda, mas que, se olharmos atentamente, vamos perceber que por dentro da obra percorre um espírito crítico, irônico, debochado, desviante e, por fim, herético.

É o que se pode ver em “O Lado Bom da Vida” de David O. Russell, que premiou Jennifer Lawrence com o Oscar de Melhor Atriz, em 2013. A trama gira em torno de Pat (Bradley Cooper), um rapaz que acaba de sair de um manicômio e quer retomar seu casamento, e Tiffany (Jennifer Lawrence), uma ninfomaníaca que acaba de perder o marido. O filme parece compor um pano de fundo violentamente dramático, de um rapaz que não controla os ímpetos destrutivos e, por isso, entra em conflitos com seu pai (Robert De Niro), também violento e viciado em apostas em jogos. Entretanto, aos poucos, pela composição do desenrolar da história e da localização dos fatos, toda a tensão vai se desfazendo em uma divertida comédia de costumes, com eventos de situações confusas, de transformações repentinas dos estados das personagens, mostrando como a tensão se desfaz na medida em que se olha um bocado mais para dentro de cada um. A sensação que nos fica é que conhecer cada figura é criar empatia, afeto e carinho por cada uma delas.

O desfecho que nos remete ao também excelente filme de 2006, “Pequena Miss Sunshine” (Jonathan Dayton e Valerie Faris), é o ponto alto que garante ao filme um frescor, fazendo-o merecedor do destaque que vem ganhando pelos festivais ao redor do mundo. “O Lado Bom da Vida”, baseado na obra literária homônima de Matthew Quick, faz uma excelente medida entre diversão e tragicidade, sabendo se utilizar dos gêneros a seu favor.

Julio Cortázar, famoso escritor argentino, dizia que por trás de toda obra há uma espécie de “linha do baixo”, como no jazz, e que essa linha embora seja adornada pelos solos de sax e guitarra dá o tom e o caminho para todo o resto da canção. Assim sendo, se pode dizer que “O Lado Bom da Vida” possui nesse baixo uma estrutura profundamente trágica, enquanto que todos os seus adornos, penduricalhos e rompantes narrativos fazem saltar, ao contrário, uma excelente comédia. Vale o jogo, vale a heresia, vale a brincadeira, vale a diversão, que no fundo, também é reflexão.

“O lado bom da vida” permanece em cartaz no Cine Itaipava, com sessões às 15h e 19h20. A classificação é 12 anos.

http://www.youtube.com/watch?v=FM3S4GBlwYA

Luiz Antonio Ribeiro é dramaturgo e poeta, formado em Teoria do Teatro pela UNIRIO – Univesidade Federal do Estado do Rio de Janeiro, onde atualmente cursa Letras – Português/Literaturas.

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