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[Na mente de um Strudel] Saco de lixo

por Rafael Studart

Estou encarando meu saco de lixo. Meu saco de lixo branco. Um saco de lixo branco triplamente reforçado contra rasgos e vazamentos, com alças vermelhas que facilitam seu fechamento e uma deliciosa essência de jasmim-do-campo, capaz de neutralizar qualquer odor ruim a ser liberado pelo conteúdo em seu interior. Um saco que custou 60 centavos.

Estou encarando uma epifania barata, com embalagem em outro idioma.

Recebo um e-mail. Nele descubro que um casal de amigos queridos vai embora do Brasil. Não sei por que, mas a notícia me atingiu mais do que aviões contra torres gêmeas. Talvez gota d’água, talvez poça onde me via. Sei que o abraço do adeus foi apertado; aquele choro contido. Daqui a uma semana: bye bye, Brasil.

Minha felicidade por eles é imensa. Um daqueles raros casais que todos adoram e que enchem os românticos de esperança. Então, por que minha tristeza? Fruto de mim mesmo. Por finalmente perceber que onde estou não é onde gostaria de estar. Que apesar de natal, essa minha terra já deu o que tinha e agora só tem a tirar.

Agridoce: essa é a sensação; oriunda daquele adeus destinado à alguém que sai da prisão em que você perece.

Amor pela nossa terra ou síndrome de Estocolmo? Ilusão do que isso já foi. Histórias do passado já não me alimentam mais.

Seu cantinho e você: feitos um para o outro. Torcemos por isso, mas a realidade nos chama. Pasárgada está antipática, cara, congestionada. Olho ao redor e vejo as palmeiras da minha terra cortadas; os sabiás, coitados, já não cantam faz tempo.

Quem sabe essa tal grama do vizinho não seja mais verde mesmo? Devíamos ao menos ter o direito de nos deitar nela de vez em quando. Afinal, “filho a gente cria pro mundo”, mas não adianta muito se o mundo te pede Green Card ou linhagem.

Somos mímicos do absurdo dando de cara com paredes imaginárias criadas em batalhas que não travamos, nascidos em terras que não escolhemos. Futuro comprometido por um passado que não foi nosso.

Conformismo: mais honesto que patriotismo.

São muitas camadas até chegarmos nos sacos de lixo.

 

studartRafael Studart é comediante, roteirista e professor universitário de física. Mestre pela COPPE/UFRJ, costuma tentar algo novo com uma certa frequência. Se quiser falar sobre relacionamento e sexo com ele, pode pará-lo na rua. Facebook: http://www.facebook.com/studart7

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