por Rafael Studart
“Ayla, veja o que inventei!”
“Que é isso?”
“Segure e confira. Depois me diga.”
“Meu Deus! Que coisa horrível!”
“É você, meu amor.”
“Osman, não brinque comigo!”
“Peguei uma daquelas rochas e comecei a poli-la. A superfície ficou praticamente lisa. Estou pensando em chamar de ‘outro eu’.”
“Osman, você tá dizendo que isso que tá aparecendo nesse troço aqui sou eu?!”
“Na mosca! As pessoas vão poder saber exatamente como são. Não parece um pouco injusto que, de todo o mundo, só você não pudesse saber como é de fato?”
“Isso não é bom!”
“Como não?”
“Eu tava feliz vivendo minha vida até três minutos atrás. Agora vou ter que arranjar um jeito de disfarçar essa coisa medonha que é a minha cara; colocar um daqueles panos enrolados no rosto.”
“Mas, veja pelo lado bom, agora você não vai mais precisar de mim para te dizer se tal cor de túnica combina com a sua personalidade em tal dia, ou quando estiver com um pedaço de alface nos dentes.”
“Esse ‘outro eu’ é uma péssima ideia! Vai ter gente se achando demais.”
“Outros, de menos. Faz parte do jogo.”
“E o direito das pessoas serem quem elas acreditam que são?”
“Elas ainda tem esse direito, mas agora podem ratificar seus pensamentos… ou não também.”
“Me dá esse ‘outro eu’ aqui; vou destruir isso!”
“Uhmm…”
“Que foi?”
“Você não pode destruir.”
“Por quê?”
“Mau agouro. Traz mau agouro à quem o fizer.”
“Jura?”
“Sete anos de infortúnios acometerão a vida do mortal que destruir seu ‘outro eu’.”
“Que absurdo é esse?!”
“Não tenho culpa se essa rocha é mágica.”
Assim foi a invenção da autoestima, há 8 mil anos, durante o período paleolítico. Não tardou muito até o advento das maquiagens, clínicas de estética, drenagem linfática e filtros de Instagram.
Rafael Studart é comediante, roteirista e professor universitário de física. Mestre pela COPPE/UFRJ, costuma tentar algo novo com uma certa frequência. Se quiser falar sobre relacionamento e sexo com ele, pode pará-lo na rua. Facebook: http://www.facebook.com/studart7
