por Norton Ribeiro
Oito de março. Talvez um dia qualquer ou, se quisermos, um dia para refletir. Entretanto, que esta seja uma reflexão sobre todos os dias anteriores até o oito de março do ano passado, sobre todos os anos e até mesmo séculos que se passaram, nos quais vimos a construção de um agente histórico, ou melhor, uma atriz da história: a mulher. De fato, essa construção jamais cessará, assim como não findarão os sonhos e os dias de luta para que o mundo reconheça as diferenças sim, mas sobretudo reconheça a força de cada passo na superação de si mesmo, na superação dos desvios criados pela sociedade.
Digo reflexão sobre outras épocas porque a tomada de posição deve ser constante. Poderia cair no “lugar comum” dizendo que o dia da mulher é todo dia e tal, como de fato são os outros dias: da consciência negra, do índio, do trabalho, etc. As datas podem ser criadas, inventadas, mas nossa postura e crítica a respeito daquilo que se comemora, ou não, não pode ter um horário para começar e, daqui a 24 horas, voltarmos à condição normal e esperarmos felizes, com o dever cumprido, o próximo ano. A crítica deve ser contínua, assim como são os problemas. São questões de longa duração na história com as quais convivemos e devemos aproveitar nosso sopro de vida para retirar um tijolo que seja, se o muro cair, melhor, e estaremos tentados a dizer que vivemos num importante momento histórico.
A construção da data comemorativa do dia da mulher não foi fácil de se realizar, assim como ainda não é a vida da mulher e de todos que com ela compartilham a luta diária da vida. Cercada de mitos e desconstruções históricas, o dia da mulher começou a ser debatido no início do século XX e foi celebrado em várias datas até que se chegasse no 8 de março. Para termos uma pequena ideia do surgimento da data, faremos um breve histórico: Muitos ainda acreditam que o dia da mulher tenha surgido após uma greve em 1857 em Nova Iorque, na qual 129 operárias teriam morrido tragicamente em um incêndio numa fábrica provocado pelos próprios patrões. A primeira menção a essa greve apareceu em um jornal Francês em 1955 e, nos anos 60, o movimento feminista levantou a bandeira reforçando o mito. Ocorre que, segundo a pesquisadora canadense Renée Côte, esta greve nunca existiu. Ela pesquisou em vários jornais dos EUA e Europa sem nunca encontrar nenhuma linha que noticiasse a tal greve. A origem do dia da mulher, portanto, ocorreu na Rússia revolucionária de 1917, quando operárias deixaram de trabalhar contrariando a recomendação de partidos e sindicatos, e saíram às ruas criando um estopim para a Revolução que se aproximava. Antes disso, porém, já havia uma intensa luta de mulheres na Europa e EUA reivindicando direitos iguais entre homens e mulheres, principalmente o direito de voto. O movimento na Rússia se iniciou em 23 de fevereiro, o que corresponde ao 8 de março do calendário ocidental.
Bem, há mais uma série de questões a serem discutidas sobre como o mito da greve de 1857 se consolidou e porque a luta das mulheres socialistas foi esquecida por muito tempo – afinal estávamos no período da Guerra Fria -, mas neste momento o que nos interessa é reconhecer que a luta das mulheres por melhores condições de trabalho no passado se completa com a luta que vivemos em nossa sociedade. Hoje, sem distinções de gênero, estamos sentindo a “precarização” de nossas condições de trabalho. O mais escandaloso ainda é saber que nosso trabalho é a educação pública voltada para milhões de jovens com os sonhos à flor da pele. Eles continuarão a sonhar, mas terão condições de realizá-los? Nós, professores, também continuaremos a sonhar, mas já aprendemos que a realização dos mesmos precisa de mobilização, de coragem e de luta.
Crédito da foto: www.ururau.com.br