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Colunas

[Para & Pensa] Sobre Cuba (parte I)

por Daniel Martinez de Oliveira

Muitas pessoas têm-me perguntado sobre a viagem que fiz a Cuba em 2014 e, principalmente, sobre a “exótica” Cuba socialista. Eu realmente não tive tempo de falar, para quase ninguém, sobre os detalhes daquela incursão, então deixo aqui um breve relato sobre aquele país. Muitos desqualificam politicamente o sistema que rege Cuba, à medida que outros o exaltam como um paraíso de perfeição. Não é minha intenção aqui dizer se estão certos ou errados. Se puder, vá e veja com os próprios olhos, como as coisas funcionam por lá.

A primeira impressão que Cuba deixa, quando se chega ao país, é a de escassez generalizada. Falta de tudo um pouco, em comparação com as enxurradas de produtos e serviços que temos por aqui. Mas logo você percebe que a escassez e a pobreza não permitem que escasseie a alegria. Realmente a maioria dos cubanos é alegre.

Apesar de todo o arrocho econômico, em grande parte provocado pelo embargo perpetrado pelos Estados Unidos, os cubanos mantêm a sua dignidade humana. E, mesmo com toda a precária estrutura do país, os serviços do Estado funcionam melhor do que os de muitos outros países, incluindo o nosso. Por exemplo, se você precisa pegar um ônibus, ele passa no horário e é barato.

Em idade escolar, nenhuma criança está na rua à toa. Não há crianças fora da escola. Você pode encontrar grande pobreza material, mas vai chegar a uma conclusão sobre o que é manter a autoestima, o conhecimento, a politização, o humanismo, a qualidade de vida e o cuidado da infância.

Mas talvez haja uma maneira mais fácil de dizer o que vi lá… Basta pensar em o que NÃO é Cuba. Façamos um paralelo, mais ou menos didático, com o Brasil.

Vivemos em um país em que se pagam altos impostos, como o imposto de renda, por exemplo, que chega a um quinto do salário. Esses impostos servem para que haja escolas gratuitas de qualidade, atendimento de saúde de qualidade, etc. Mas para que possamos estudar em uma escola de qualidade, em geral e salvo às exceções, temos de pagar de novo; para termos atendimento em saúde de qualidade (duvidosa), temos de pagar de novo; para termos luz no poste das nossas ruas, temos de pagar uma taxa de iluminação pública (mas muitas vezes as ruas vivem às escuras!); para andar de carro na estrada, pagamos de novo (mas, em geral, as estradas estão esburacadas ou têm pedágios); e quando saímos à rua nas grandes cidades, não sabemos se voltamos, porque a segurança pública é falha. Para morar, pagamos, em média, um terço do nosso salário! Para assistir à TV pública, não escolhemos o que vemos! Para ler jornal, lemos a notícia que paga mais! Para comer, compramos alimentos cheios de produtos químicos, transgênicos, plantados em áreas desflorestadas e caros! Quando usamos o transporte público, é vendido e monopolizado! Quando pedimos ajuda a um banco, somos assaltados! Quando vemos polícia, temos medo! Quando vamos ao médico, muitas vezes somos tratados como máquinas defeituosas e nem olham para a nossa cara. E mesmo assim, para tudo o que somos obrigados a consumir, pagamos novos e velhos impostos, de novo.

Mesmo assim, se você estuda em uma boa escola, tem plano médico privado e uma cor de pele mais clara, terá maiores oportunidades de desenvolver uma carreira, empregar-se e pagar mais por tudo isto, de novo.

Ainda assim, alguns vizinhos da sua cidade, que têm qualidade de ensino escolar mais baixa, uma alimentação de qualidade inferior, ou a cor de pele mais escura, terão sérias dificuldades de acesso aos potenciais futuros melhores salários, ou terão menos acesso ao que você terá, pois não poderão pagar por tudo isto, tão caro, de novo!

Muitos dizem, a priori e muitas vezes por simplesmente seguirem o senso comum, que Cuba é uma ditadura. Porém, antes de classificar o sistema político de Cuba, vale estudar um pouco a história do país.

Antes da Revolução, Cuba era uma “terra de ninguém”, em que os estrangeiros chegavam, mandavam e desmandavam. Uma terra que abrigou uma das piores ditaduras do século XX, de um político chamado Fulgencio Batista. Em Cuba, as pessoas passavam fome, eram analfabetas, estavam alijadas da terra, do poder, do conhecimento. Em Cuba, não se podia pensar um pouco mais alto, ou você era torturado ou morto. As escolas eram para ricos, os médicos eram para ricos… Comer era para ricos. (Parece familiar, não?)

Continua…

Daniel é antropólogo e historiador. Trabalha como professor universitário e é servidor do Instituto Brasileiro de Museus. Atualmente administra o Palácio Rio Negro (IBRAM). Mora em Petrópolis desde 2014. Também escreve contos e poesias.

As opiniões contidas não representam a opinião do site; a responsabilidade é do autor da publicação.

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