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[Para & Pensa] Aprender com o passado – A Gripe Espanhola

por Daniel Martinez de Oliveira

 

O surto do novo coronavírus pode ser a maior crise do século. Certamente, será a maior desta geração. O temor é legítimo, pois se trata de um personagem invisível, microscópico, diminuto que, apesar disso, tem tomado a maior parte do tempo dos noticiários do país e do mundo. Surgido na China e batizado logo depois de Covid-19, o vírus tomou proporções de difusão mundial e número de contagiados nunca vistas, desde a Gripe Espanhola.

Essa pandemia, ocorrida em 1918-1919, recebeu o nome de Gripe Espanhola não por ter surgido na Espanha, mas devido a uma conjuntura muito especial que permitiu àquele país manter-se neutro durante a Primeira Guerra Mundial. No contexto da guerra, enquanto outros países censuravam a divulgação de notícias que poderiam levar a um enfraquecimento de sua imagem, a imprensa espanhola contava com mais liberdade para tratar da nova doença, que se alastrava por várias partes do mundo.

Você pode pensar que naquela época as notícias se espalhavam de forma mais lenta em relação à imediata difusão de informações que temos atualmente. Além disso, pode imaginar que o deslocamento de pessoas era bem mais restrito em comparação com o nosso tempo, uma vez que havia menos gente viajando a turismo, menos voos, menos circulação entre países e regiões, além de uma menor circulação global de mercadorias e serviços. Estamos, sim, falando de uma época em que o mundo era menos conectado, em que os procedimentos, as comunicações e os transportes eram muito mais lentos, mas isso não foi suficiente para frear a gripe. Afinal, há 102 anos o mundo já se encontrava bastante globalizado e em plena guerra.

Foto: reprodução / GETTY IMAGES via BBC

Ao que tudo indica, a nova doença parece ter sido causada por uma cepa de influenza aviária originária da China e teria sofrido uma mutação nos Estados Unidos. Aqueles seriam os últimos meses da Primeira Guerra Mundial e pouco tempo antes, como contam os registros, militares americanos haviam adoecido em suas instalações de treinamento. Mediante a presença dos combatentes americanos infectados que chegavam para a guerra e devido à insalubre condição nas trincheiras, a doença espalhou-se de forma descontrolada, tendo como fator predominante o deslocamento das tropas em guerra para os seus países de origem, o que levou o vírus a todas as regiões do mundo e tornou a Gripe Espanhola um terrível flagelo. No início, muitas mortes eram atribuídas a casos de pneumonia, mas logo se descobriu que se tratava de uma gripe desconhecida, mais grave do que as gripes sazonais. A mortalidade chegou a ser de 10 a 20% dos infectados, o que pode ter custado a vida, segundo cálculos atuais, de até 100 milhões de pessoas.

Você pode considerar que a ciência médica e as condições sanitárias da época eram inferiores às de hoje, e essa ideia não deixa de estar certa. Entretanto, para além da melhoria nas práticas de higiene, a tática que se mostrou mais adequada (e se tornou um marco no combate ao vírus) foi a decisão de isolar os doentes e evitar a circulação e aglomeração de pessoas como forma de criar barreiras para o contágio.

Muito temos a aprender com a Gripe Espanhola, ainda que haja diferenças entre aquela pandemia e a atual. A Espanhola, por exemplo, acometeu mais as pessoas jovens, uma vez que parte da população mais idosa aparentemente já possuía imunidade decorrente da epidemia de uma cepa semelhante ocorrida em meados do século XIX. Esse foi um dos motivos para a mortandade de crianças abaixo dos cinco anos de idade e a altíssima taxa de mortes de pessoas entre 20 e 40 anos. Na Ásia, por sua vez, a doença parece ter matado menos, por conta de uma variante mais fraca que teria se propagado em uma estação anterior e proporcionado a imunidade a uma parte dos seus habitantes.

A Gripe Espanhola se distribuiu em três ondas. Assim que a primeira passou e as coisas pareciam estar voltando ao normal, uma segunda onda veio de forma avassaladora e catastrófica. Foi ela que ceifou a maior quantidade de vidas, de forma inesperada, arrasadora, repentina. Corpos espalhados podiam ser vistos em todas as localidades afetadas e havia casos de famílias inteiras acometidas pela enfermidade. Serviços e atividades foram, então, suspensos e as cidades tiveram de “parar”. Este foi um fator decisivo para a superação da falta de controle sobre o contágio e para frear a quantidade de mortes. Com o tempo, o surto foi se desfazendo, o número de novos mortos e doentes foi diminuindo e a pandemia deu a esperada trégua. Quando veio a terceira onda, ela já foi bem mais fraca e depois a doença sumiu com a mesma rapidez com que chegou.

A implementação do isolamento dos doentes e grupos de risco, o fechamento de escolas, universidades e comércio, a ampliação das redes de atendimento hospitalar e a quarentena preventiva pela maior parte da população – com a manutenção somente dos serviços essenciais – podem ser providências cruciais em um momento como este, em que é evidente o crescimento da pandemia. Estudos mostram que até mesmo a recuperação econômica foi mais rápida nas regiões em que ações mais rigorosas foram adotadas pelas autoridades.

Se observarmos a história da Gripe Espanhola, essas medidas podem ser o diferencial entre uma economia abalada ou uma economia arrasada, e entre milhares de óbitos ou milhões de mortos. E muitos dentre eles podem ser nossos vizinhos, conhecidos ou familiares.

 

 

Daniel é antropólogo, historiador e escritor.

As opiniões contidas não representam a opinião do site; a responsabilidade é do autor da publicação.

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