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[Africanidades e direitos humanos] Testemunho de um petropolitano na África

por Sergio Soares

Comemorou-se em 13 de maio mais um aniversário da Abolição da Escravatura no Brasil, mas a situação da maioria dos negros ainda continua sendo de exclusão social e muito sofrimento em diversos lugares do mundo. Comigo não foi diferente.

Nasci em 17 de dezembro de 1964 em Petrópolis e fui criado no Quissamã – Provisória (atual Bairro Esperança). Estudei no CENIP e desejoso de evangelizar e ajudar os africanos, fui enviado com a minha esposa Jane para sermos missionários do bem, da paz e do amor em Cabo Verde e Moçambique, na África.

áfrica 4Passamos dois em anos em Cabo Verde, numa ilha maravilhosa chamada São Vicente, na cidade de Mindelo. A ilha de São Vicente é a segunda em importância política no país, só perdendo para a capital, a ilha de Santiago, Cidade da Praia.

Durante o tempo que passamos no país pude conhecer a já falecida cantora de música popular cabo-verdiana Cesária Évora, que destacou-se no mundo inteiro pela sua linda voz  e com a canção “Sodade”, que significa saudade. Também tivemos a oportunidade de aprender noções do dialeto ou língua crioula, que é uma mistura do português com idiomas de Guiné-Bissau.

Ainda que Cabo Verde tenha como idioma oficial o português, o mesmo só é falado fluentemente pelos que frequentam as escolas, e o crioulo é utilizado pelas camadas populares.

Infelizmente, o preconceito existe em todos os lugares e lá não era diferente. A maioria dos cabo-verdianos que conhecemos de 1996 a 1998 se recusavam a serem identificados como africanos, pois diziam que o país está localizado geograficamente antes da África Continental, então eles se autodenominavam como sendo do “Continente Atlântico”. Lógico que este continente não existe, mas essa era a desculpa de alguns que conhecemos na época, que alegavam serem banhados pelo Oceano Atlântico para assim se definirem.

Já em 1998 recebemos um convite para nos mudarmos para Moçambique e logo aceitamos. Seria uma mudança radical, pois estávamos no oeste da África e iríamos agora para o sul. Usamos muito o pouco inglês que tínhamos, e nestes dez anos aprendemos muito a língua inglesa por conta do convívio com muitos africanos falantes do idioma.

Tendo vivido em Cabo Verde e depois, em Moçambique, aprendi ainda mais sobre as áfrica 3diferenças no vocabulário de cada país. As diferenças são grandes, como, por exemplo, no Brasil temos a palavra “ônibus” que em Cabo Verde é “auto-carro” e em Moçambique, é chamado de “machimbombo”.

Também foi em Moçambique que vivi uma experiência perigosa envolvendo crocodilos. Certa vez, enquanto estava nas águas de um rio fazendo o batismo nas águas de novos crentes convertidos ao Cristianismo, meu obreiro ajudante que era moçambicano tinha pressa que a cerimônia fosse feita com mais rapidez. Lá dentro das águas é que ele me contou que naquele rio tinham crocodilos, mas mantive a calma e fiz os batismos sem gastar muito tempo.

Além desse tipo de “aventura”, nestes países africanos trabalhamos na alfabetização, ação social, treinamento profissional e teológico. Era grande a alegria estampada no rosto de cada chefe de família que recebia uma cesta básica de nossas mãos e assim muitas vidas foram salvas.

Contudo, quase morremos nesta troca para levar a vida, pois minha mulher e eu quase fomos a óbito contraindo malária.

Era quase uma malária por ano, já estávamos nos acostumando com esta situação! Vimos muitos morrerem de malária na África, pois é a doença que mais faz vítimas no continente. Depois vem a AIDS (mais conhecida como SIDA na África de língua portuguesa).

Em Moçambique, já casados há 12 anos e sem filhos, depois de muito orar para termos um filho biológico que não vinha, resolvemos adotar uma criança africana. Fizemos de tudo para realizarmos uma adoção, mas nada aconteceu até que Jane engravidou. Telefonei imediatamente para nossa Igreja Batista Central de Petrópolis e fomos autorizados e patrocinados para que voltássemos ao Brasil para a criança nascer. Voltamos, mas Kevin Christian nasceu prematuro de de 6 meses e meio e quase morreu.

Ficamos no Brasil até ele ter um ano de idade e depois voltamos para Moçambique, onde ele teve quatro malárias e já estava com 4 anos de idade. Antes que alguém morresse resolvemos voltar, era o final de um lindo trabalho missionário em terras africanas. Novos desafios seriam enfrentados no Brasil na defesa dos africanos, afrodescendentes e quilombolas.

áfrica 5De volta ao Brasil em 2006 com nosso filho único Kevin, voltamos ao estudos, e hoje sou pedagogo e especialista em educação e relações raciais pela UFF, e Jane é turismóloga e professora.

Hoje tenho 51 anos de idade, e nosso filho Kevin tem quase 14 anos. O tempo passou, ajudamos muito na felicidade da África, mas os desafios para os negros e quilombolas no Brasil e no mundo continuam alarmantes.

Comemora-se em maio a Abolição da Escravatura no Brasil, mas precisamos continuar lutando unidos para nos libertarmos da escravidão moderna do analfabetismo, desemprego, violência e superarmos juntos o racismo e o preconceito.

Não basta apenas eu ser um vencedor, não basta apenas minha família ser vencedora, desejo que todos vençam também!

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