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[Coluna] “Abertura Política”: o futuro demora muito tempo

por Eduardo Stotz, presidente da CMV

O general Ernesto Geisel toma posse como presidente da República em janeiro de 1974. Logo em seguida anuncia a intenção de promover a “abertura política” do regime militar. Os ecos no Congresso Nacional e nos meios de comunicação de massa são imediatos. Em setembro do mesmo ano, o Serviço Nacional de Informação (SNI) realiza uma consulta junto à “comunidade de informações” a respeito do processo (Projeto Brasil.Doc/UFMG. Apreciação da Conjuntura Nacional – Anexo B). Esta consulta expressa, contudo, o entendimento de que “algo está fora da ordem”.

O país aparentemente está atravessando uma fase de crescimento econômico e sem uma oposição política significativa em termos parlamentares, sob a “paz de cemitério” imposta pela liquidação ou redução da esquerda a grupos incapazes de se articular nacionalmente. Aliás, atinge toda esquerda revolucionária, a exemplo da Política Operária (Polop) – que se volta para a organização dos operários nas fábricas e critica o encaminhamento da luta armada naquela conjuntura – e, em seguida, de 1974 a 1976, contra a esquerda reformista, com destaque o Partido Comunista Brasileiro (PCB), alvo da chamada “Operação Radar.”

O que está, então, fora de ordem? Enquanto o país parece destinado a ser uma grande e próspera nação, ainda que à custa do arrocho salarial e da concentração de renda, o resto do mundo enfrenta uma forte recessão, desencadeada em final de 1973, pelo vertiginoso aumento do preço do petróleo. O aumento da taxa de juros e a retração dos investimentos externos delineiam um cenário ameaçador para o país. O “mar de tranquilidade” é aparente pois a inflação e a carestia são indicativos de que o próprio crescimento interno, com altas taxas de acumulação, tende a sofrer descontinuidade. O novo governo da ditadura militar se depara, assim, com a opção entre reduzir drasticamente o crescimento econômico ou retomá-lo em novas bases. O dilema, tal como caracterizado na literatura da época, está entre uma solução monetarista e outra estruturalista. Prevalece, com Geisel, a segunda opção, traduzida no II Plano Nacional de Desenvolvimento Econômico, centrado na produção de bens de capital e de insumos básicos, cujo marco mais conhecido é o Pró-Alcool, implantado em 1975.

O crescimento econômico a partir de então já não admite mais taxas de lucro elevadas no conjunto da economia. Pior, no entendimento de pensadores liberais como Eugênio Gudin, implica no avanço das empresas estatais, como as siderúrgicas, sobre a área financeira e de crédito. Em 1975 uma oposição burguesa começa a se organizar em torno desse pensador, apoiada pelo jornal O Estado de São Paulo e pela Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (FIESP). Desencadeia uma campanha “contra a estatização” que vai atingir seu auge entre outubro e novembro de 1977, na IV Conferência Nacional das Classes Produtoras. É contra a ampliação da intervenção do estado na economia mas ainda não defende o fim da ditadura militar.

Entretanto, a análise da Agencia Central do SNI escrita em 1974 aponta a relevância assumida, para os políticos da oposição, de alguns setores esquerdistas do Clero Católico, da Ordem dos Advogados e da chamada “Esquerda Festiva” (estudantes, artistas e intelectuais de oposição, nucleados na chamada imprensa alternativa). Sugere, portanto, o surgimento de uma nova oposição – que, de fato, toma forma nas eleições de novembro de 1974, quando o MDB aumenta o número de deputados e de senadores. A Igreja Católica, por meio das Comunidades Eclesiais de Base (CEBs), atua nos bairros das grandes cidades, lidera várias manifestações, dentre as quais o Movimento do Custo de Vida e respalda, do ponto de vista popular, a oposição parlamentar. Na esteira desse processo começa a se estruturar o Movimento pela Anistia.

Não por acaso, o Centro de Informação do Exército (CIE), ao responder à consulta do SNI, o faz a partir de uma análise da conjuntura na qual ressalta a possibilidade de contestação ao regime. Formula, como “conclusão parcial”, as diretrizes do que será denominado de “distensão lenta, gradual e segura” da ditadura militar: admitindo um clima favorável à denominada “abertura política” no País, cujas repercussões são favoráveis na opinião pública em geral, impõe-se a necessidade de que a descompressão  seja gradativa, a fim de que se evite a repetição das ocorrências de 1968 [e] que a institucionalização do Regime propicie ao Executivo os instrumentos necessários à manutenção do clima de ordem e tranqüilidade.

O general-presidente Ernesto Geisel segue este caminho. Controla a “linha dura” dentro das Forças Armadas, mas termina seu mandato com o chamado “pacote de abril de 1977” mediante o qual vai compor a maioria parlamentar por novos atos de força. O regime se mantém e apesar da crescente oposição, o futuro demora ainda muito tempo.

(Crédito: blog Movimentos Sociais de 1970)

A Comissão é formada por: Eduardo Stotz – sociólogo e historiador, pesquisador da Fiocruz; Glauber de Oliveira Montes – historiador e professor; João Fabre dos Reis – advogado trabalhista; Maria Helena Arrochellas – teóloga e coordenadora do Centro Alceu Amoroso Lima para a Liberdade; Rafane Valoura Paixão – historiadora e Roberto Schiffler Neto – sociólogo e professor.

Endereço e acesso: Prefeitura Municipal de Petrópolis – Avenida Koeler, 260 – Centro – Petrópolis – RJ – Tel.: (24) 2246-9325. Facebook.com/cmvpetropolis – [email protected]

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