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Coluna Literária

[Coluna literária] “Um Parque de Diversões na Cabeça” – Lawrence Ferlinghetti

Ferlinghetti não sabe onde nasceu, afirma ser “entre Paris ou Nova York entre 1919 ou 20”. Assim como sua vida, sua poesia também não é possível de se mapear onde nasce. Se Burroughs é o mentor intelectual dos beats; Guinsberg, o grande poeta; Kerouac, o grande prosador; Ferlinghetti é o grande produtor. Como intelectual, monta a City of Lights, editora que lança grande parte das obras da geração e, sem deixar de ser e viver uma vida beat, passa a gerir um dos mais interessantes movimentos poéticos de todos os tempos. Sua obra é só mais uma representante desse projeto de vida.

Um Parque de Diversões na Cabeça, de Ferlinghetti, é uma obra poética que contém três momentos. O primeiro que dá nome ao livro, com alucinações poéticas cheias de referências de pintores e pinturas, escritores e escrituras, como também de uma representação da violência veloz da política e da guerra. A segunda parte, Mensagens Orais, são poemas escritos para serem lidos em público, acompanhados por bandas de jazz, cuja marca principal são os vômitos, os frêmitos das imagens que se sucedem. A última parte, Retratos do Mundo que se Foi, é uma espécie de desaceleração do tempo poético em prol de uma contemplação trágica e reflexiva do mundo.

Ferlinghetti é, em minha opinião, o melhor poeta beat, ao lado de Burroughs, pois são aqueles que mais se apropriam da tradição poética que vem de Rimbaud, Whitman, Genet, entre outros, e que conseguem dar a ela uma cara, ao mesmo tempo erudita e popular, com linguagem simples e pensamentos densos. Destaco principalmente o título Um Parque de Diversões na Cabeça, que vai de encontro a todo projeto racional do sonho americano do capitalismo e da instrumentalização dos meios de comunicação, da indústria e da publicidade.

Um primeiro ponto a se destacar, e talvez o principal, é que a poesia beat desta geração é uma grande potência, antes de qualquer coisa, de vida. O valor não está na poesia como uma estética, mas na capacidade que a poesia tem de adentrar o mundo da vida, numa aproximação afetiva entre pessoas, mundos e imaginários. Nesse sentido, os beats não são um movimento, mas uma geração, algo que é gerado e toma a cena. Assim sendo, a biografia, ou seja, o mundo interior narrável de cada um, é bastante importante, como refletido no poema que Ferlinghetti faz para si:

 

“Sou um lago na planície.
Uma palavra
numa árvore.
Sou uma montanha de poesia.
Uma blitz no inarticulado.
Sonhei
que todos os meus dentes caíram
mas a língua sobreviveu
Para contar a história
porque sou um silêncio
poético.”

O que seria esse silêncio poético que fala Ferlinghetti? Ora, nada mais que uma tentativa de se ausentar da marca da palavra. A linguagem do século XX, apropriada pela publicidade, pela informação e pelos boletins de guerra, se tornou algo perigoso, assassino, incontrolável, então fazer poesia como quem faz vida, deve ser o movimento de lago na planície, de palavra na árvore, uma BLITZ NO INARTICULADO, ou seja: uma interrupção. Afinal o que se vê é um mundo repleto, cheio:

 

“Um mundo à prova de beijos com assento de privada de plástico tampax e táxis
caubóis drogstorizados e virgens las vegas
índios renegados madames cinemalucas
senadores irromanos conformistas conscienciosos.”

Por conta disso, em diversos momentos, Ferlinghetti com seu parque de diversões na cabeça propõe que se pare o tempo. Chega a dizer: “Vamos parar vamos”, mas o mundo avança. Assim, ele concebe um mundo de espera, como no poema “Estou Esperando”, em que narra numa longa poesia tudo que ele espera, desde as melhores esperanças até as mais impossíveis tragédias.

Termino minha resenha apenas com meu poema preferido de todo livro, em que ele retrata o ataque das bombas atômicas ao final da Segunda Guerra Mundial:

Num ano surrealista
………………………de homens-sanduíche e banhistas ao sol
……………………………………girassóis mortos e telefones vivos
……………políticos amestrados repartidos em partidos
……………realizavam seu número de costume
……………no picadeiro de seus circos de serragem
……………onde acrobatas e homens-bala
…………………………………… enchiam o ar como um lamento
………………………quando algum palhaço premiu
……………por pilhéria o botão de um cogumelo incomestível
e uma inaudível bomba de domingo
…………………………………………………… explodiu
surpreendendo o presidente em suas orações
………………………no décimo nono buraco do campo de golfe

Oh era uma primavera
……………..de folhas de peles selvagens e flores de cobalto
enquanto cadillacs caíam como chuva entre as árvores
………………………encharcando com demência os relvados
e de cada nuvem de imitação
……………………………………escorriam multidões múltiplas
…………………………de sobreviventes de nagasaki desasados

……………E ao longe perdidas
……………flutuavam xícaras
……………repletas com nossas cinzas

luizLuiz Antonio Ribeiro Formado em Teoria do Teatro pela UNIRIO, mestrando em Memória Social na área de poesia brasileira e graduando do curso de Letras/Literaturas. É adepto da leitura, pesquisa, cinema, cerveja, Flamengo e ócio criativo. Em geral, se arrepende do que escreve. Facebook: http://www.facebook.com/ziul.ribeiro Twitter: http://www.twitter.com/ziul

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