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Coluna Literária

[Coluna literária] “A máquina do tempo” – H. G. Wells

Em 1895, foi lançado A Máquina do Tempo. No mesmo cinema, os irmãos Lumière inventavam o cinema. Trata-se de dois eventos que apontam para o futuro e que, ironicamente, me fazem pensar em uma redundância: ambos inventam, de certa forma, o próprio futuro. O caso de A Máquina do Tempo é ainda mais curioso: a obra de Wells, assim como sua máquina, também atravessa o tempo e chega até nós – pronta, exata, mesmo que cheia de sombras – e nos revela, além de um passado conhecido e um presente imaginado, um futuro inimaginável. Temos diante dessa obra o que se poderia chamar de invenção.

A Máquina do Tempo, de H. G. Wells, conta o relato de um personagem, chamado no livro de O Viajante do Tempo, que cria um dispositivo que permite que ele viaje através do espaço e do tempo. Assim, em um relato emocionante para amigos, ele conta como foi viajar para o ano de oitocentos mil e alguma coisa e encontra um novo tipo de civilização: os dóceis Elois, criaturas da superfície, e os vorazes Morlocks, estranhas figuras subterrâneas.

Assim que o Viajante chega até esse novo lugar, com grandes relvas, rios e vegetações, o que ele percebe é que uma espécie de paz reina no mundo. Isto lhe causa certo espanto, ao ver que os Elois, figuras pequeninas e frágeis, dóceis e de língua estranha e simpática, não possuem qualquer tipo de trabalho ou atividade e se limitam a passear pelos campos e colher frutas para sua alimentação. No entanto, aos poucos, ele descobre que, durante a noite, figuras estranhas aparecem: são os Morlocks, figuras peludas e brancas, de olhos vermelhos que, de tanto permanecerem escondidos pelos espaços subterrâneos, acabaram se tornando espécies de albinos, com baixa resistência ao sol e a luz. Carnívoros, formam uma “casta mais baixa” naquele lugar.

O interessante disso é que Wells se utiliza desses dois exemplos de criaturas para fazer diversas elucubrações tanto sobre aquela sociedade quanto sobre a nossa. Percebe que se os Elois são preguiçosos e indolentes, é porque vieram de grupos privilegiados de nossos tempos e, por isso, tiveram tanto atividades físicas como psíquicas diminuídas, chegando ao nível básico do necessário. Enquanto que os Morlocks, por serem os mais pobres, precisavam lutar pela comida, esconderem-se, trabalharem e acabaram por evoluir de maneira a deixar seu trabalho cada vez mais secreto e eficaz. De qualquer forma, o Viajante aponta a todo o momento que se trata de especulações, pois não há entre aquela civilização nada que indique que o mesmo tenha acontecido. Destaco um trecho em que Wells vai pensar a humanidade como um estatuto de quem faz porque precisa vencer desafios, perigos e violências:

“A versatilidade intelectual é a nossa compensação para enfrentar as mudanças, os perigos, os problemas. Um animal em perfeita harmonia com seu ambiente é um mecanismo perfeito. A natureza nunca apela para a inteligência senão quando o hábito e o instinto são incapazes de resolver um problema. Não existe inteligência onde não existe mudança ou necessidade de mudança.”

Outro momento absolutamente belo e o meu preferido, é quando o Viajante consegue sair daquele tempo e ruma diretamente para o nosso mais absoluto futuro, quando (ou onde) não há mais seres ou vidas como conhecemos. Algumas figuras estranhas? Talvez, mas uma enorme natureza que se modifica rumo a um breu gradual. A morte de todos nós é profetizada por um tempo que vem, por um sol que se aproxima e avermelha todo horizonte. A sobrevivência, definitivamente, não é para os mais fortes, mas apenas para a transformação. A morte é inevitável.

A Máquina do Tempo é uma obra-prima, um clássico no melhor quesito do termo e tem em sua vitalidade, a força de um pensamento que se atropela e se ultrapassa. Creio que nem Wells teve dimensão do que escreveu. Creio que nem eu. Então, que este livro viaje no tempo para que algum de nossos filhos desvende todos os mistérios desta impecável obra.

luizLuiz Antonio Ribeiro Formado em Teoria do Teatro pela UNIRIO, mestrando em Memória Social na área de poesia brasileira e graduando do curso de Letras/Literaturas. É adepto da leitura, pesquisa, cinema, cerveja, Flamengo e ócio criativo. Em geral, se arrepende do que escreve. Facebook: http://www.facebook.com/ziul.ribeiro Twitter: http://www.twitter.com/ziul

 

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