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Coluna Literária

[Coluna literária] “O Jogador” – Fiódor Dostoiévski

O conceito de jogo é muito caro para a arte moderna. Jogar, no decorrer do final do século XIX para o começo do século XX, vai ter diversas conotações e, principalmente, vai assumir diversos valores tanto materialmente, quanto nas questões envolvendo a estrutura dos textos. Estar no jogo, jogar, ser um jogador, será, entre outras coisas, a ideia de colocar a vida e a arte em risco, como que presa por um breve fio que pode a todo tempo se romper. Dostoiévski, como um grande conhecedor dos meandros da humanidade, foi um dos primeiros a atentar para toda questão que envolve o Jogador.

O Jogador, de Fiódor Dostoiévski, é um breve romance do autor russo que conta a história de Aleksei Ivánovitch, o preceptor de uma família que mora num hotel, contratado por um general. Por ter uma dupla função de, ao mesmo tempo, estar próximo à família, mas não pertencer a ela, consegue observar todas as questões subjetivas que envolvem aquela sociedade pelas entrelinhas. Vai notar, principalmente, um enorme jogo de relações que se dão na espera que uma senhora, a “avó” da família, morra e deixe sua herança para os que ficam.

A grande questão do livro, a meu ver, se dá porque não se pode precocemente atribuir a ninguém a função de “O Jogador”. Se Aleksei vai, aos poucos, se tornando um homem dependente dos jogos de roleta e até se fascinando pela ideia de risco que só a possibilidade de perder tudo pode lhe dar, jogadores também serão os demais que apostam “na vida” ao tramar planos e projetos a partir do dinheiro que ainda não possuem.

O general, por exemplo, mantém um relacionamento com a interesseira senhorita Blanché, que lhe promete casamento, mas não oficializa nada até que a tal avó morra. Paulina, moça bela e meio que perdida no mundo, se vê nas mãos do francês Des Grieux, um pretenso nobre que funciona como agiota do general e cerca a moça quase como uma recompensa por ajudar a família. Aleksei vai observar como, dentro desse mundo, apenas uma coisa importa e ela nada tem a ver com qualquer tipo de interioridade, mas sim algo que se pode obter, barganhar e trocar – a forma:

“Aqui é a forma que importa. Nós, os russos, somos na maior parte tão ricamente dotados que precisamos de gênio para encontrar uma forma conveniente. É frequente faltar-nos gênio, pois este é bastante raro de um modo geral.”

O que nenhum personagem esperava é que, a própria avó, ao entrar em contato com todos aqueles personagens, vai se sentir dentro de uma máquina de jogo de relações e, em uma obsessão alucinada, vai cair nas roletas justamente com o objetivo de ganhar (com a pulsão de morte pensando em perder) tudo aquilo que lhe impede de ser livre: o dinheiro.

Isto talvez seja o mais interessante da obra: o ato de jogar roleta se torna, aos poucos, o protagonista do livro, pois, vai, como um vício, atraindo como um ímã todos aqueles seres que precisam ou buscam uma solução para seus problemas por fora das conveniências.  A sorte, a ventura, o deus ex machina esperado, se torna uma aposta constante dos “jogadores do mundo” que percebem em seus corpos, o efeito de tal risco:

“Meu coração batia forte, confesso, e faltava-me o sangue frio. (…) Um acontecimento radical e decisivo interferiria infalivelmente em meu destino. É preciso e assim será. (…) É verdade que apenas um sujeito em cada cem tem a sorte de ganhar. Mas por que me inquieto com isso?”

Ora, porque, no fundo, esse risco é o que há de mais profundo em viver, perdendo somente para as vontades sexuais e as grandes paixões que só o amor pode dar. E é por dentro desse impulso que deve ser cortado, para uma boa forma ou uma boa reputação, que vai viver ambiguamente todos aqueles que, na vida, optarem por “jogar”. Todo esse sentimento se dá através do jogo na ideia de que, ao jogar, a verdadeira loucura pode ser realizável:

“Algumas vezes o pensamento mais louco, o mais impossível na aparência, se implanta tão fortemente em seu espírito que acreditamos que seja realizável.”

E corremos atrás dele. E fugimos dele. E perdemos dele. E nos perdemos nele. O Jogador é a obra desse jogar, desses burgueses que percebem na vida uma oportunidade para (se) jogar no mundo. A vida, ao fim, é uma imensa jogatina, mas como Aleksei: “há muito não sei o que se passa no mundo, nem na Rússia, nem aqui.” Nunca saberemos.

 

luizLuiz Antonio Ribeiro é formado em Teoria do Teatro pela UNIRIO, mestrando em Memória Social na área de poesia brasileira e graduando do curso de Letras/Literaturas. É adepto da leitura, pesquisa, cinema, cerveja, Flamengo e ócio criativo. Em geral, se arrepende do que escreve. Facebook: http://www.facebook.com/ziul.ribeiro Twitter: http://www.twitter.com/ziul

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