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Colunas

[Para & Pensa] Carne de cachorro

por Daniel Martinez de Oliveira

Na última semana, você deve ter ouvido falar de uma festa em que cães foram mortos às centenas e vendidos como alimentos na China. O Yulin Dog Meat Festival acontece na região de Yulin há cerca de vinte e cinco anos. Alguns dos seus defensores dizem tratar-se de uma tradição, enquanto os que são contrários a ele afirmam que é um costume novo, introduzido há pouco e que não faz parte da cultura tradicional local.

Deixo a discussão sobre tradição à parte, já que qualquer tradição deve ter sido inventada em algum momento. O que mais me chamou atenção foi a quantidade de pessoas revoltadas por conta da “execução cruel” a que são submetidos os cãezinhos durante o festival, para depois serem devorados, sem o menor sinal de culpa, pelos que vão à festa.

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Nos últimos séculos, vimos o advento da maior integração entre áreas geográficas afastadas umas das outras, a expansão europeia e as grandes navegações, a colonização da África e das Américas, o imperialismo no século XIX, a extensão da urbanização para as aldeias do interior, a integração de mercados e pessoas, ou seja, a marcha que levou à conhecida Globalização.

Esse movimento colocou em contato sociedades e culturas as mais diferenciadas entre si. Práticas e costumes “exóticos” foram colocados à nossa disposição e vice-versa. Nunca a humanidade como um todo esteve tão próxima. Mas será que a proximidade com o “Outro” significa conhecimento e respeito pela alteridade? A história nos mostra que não.

Nossa reação ao encarar o que é diferente costuma ser de desconfiança. Com o que é “exótico”, ou externo à nossa forma de ver o mundo, não é diferente. O que é estranho a nós causa-nos espanto, admiração, temor. Por vezes, a nossa forma de ver o mundo parece tão natural, correta e única que o estranhamento leva a que consideremos o diferente como algo errado ou inferior. Esta postura é conhecida na antropologia como etnocentrismo.

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Voltando ao Yulin Dog Meat Festival… Pode ser que você seja vegetariano e nunca prove da carne de um cachorro. Mas provavelmente muitas pessoas ao seu redor apreciem um churrasco no fim de semana e achem um absurdo a vaca ser um animal sagrado na Índia. Por outro lado, para muitos indianos, comer carne de vaca deve parecer uma grande ofensa aos seus princípios religiosos!

Ao ver tantas manifestações internacionais de desagrado, repulsa e até de desespero diante do festival, algumas questões me vieram à mente de imediato. Você acha que a nossa carne vem de onde? Ela nasce morta por acaso? Por que podemos fazer o que queremos com nossos “fornecimentos de carne” e os chineses não? Só por que você acha que a comida deles é mais “fofinha” que a nossa? Ou por que os cães têm status humanizados no Ocidente?

Se você é um defensor da vida animal em geral, estou de acordo com você. Vamos olhar um pouco mais para a nossa indústria da carne. Vamos defender o abate menos degradante e com menos sofrimento. Vamos defender a produção e o consumo conscientes. Mas observemos mais os nossos pratos, sem nos perdermos de vista a olhar para os pratos alheios. Olhemos mais para o tratamento que damos aos nossos “suprimentos de carne”. E se queremos defender os direitos dos animais, que sejam os direitos de todos, e não só os daqueles que fazem parte da alimentação dos “Outros”.

Daniel Martinez de OliveiraDaniel Martinez de Oliveira é graduado em história e mestre em antropologia pela UFF, onde também faz seu doutorado. Realizou pesquisas sobre a Umbanda, o Santo Daime e o Caminho de Santiago. É antropólogo e historiador do Instituto Brasileiro de Museus (IBRAM) e administrador substituto do Palácio Rio Negro (Petrópolis). Além de ser professor universitário, deu aulas de espanhol por mais de dez anos. Nascido e criado em Nova Friburgo, após três anos de trabalho no Museu de Arqueologia de Itaipu, em Niterói, adotou Petrópolis para trabalhar e viver com a família. É mochileiro de carteirinha e adora ler e escrever poesias.

3 Comentários

  1. Quantos lugares no mundo comem carne de cachorros? Quantos comem carne de “boi”? Geralmente não matam vaca pq ela que dá o leite! tenho certeza que no mundo, menos os chineses, todos abominam essa festa cruel com cachorros!! Aliás a cultura alimentar deles é nojenta, e poucos comem! Se tiver alguma cultura que coma carne humana como será vista?

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