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Colunas

[Coluna] O fim da ditadura militar e a permanência da tutela das forças armadas

por Eduardo Stotz, presidente da CMV

O Alto Comando das Forças Armadas desocupa o poder executivo do Estado em 15 de janeiro de 1985, com a eleição indireta dos civis Tancredo Neves e José Sarney, da Aliança Democrática (PMDB-PFL), pelo Congresso Nacional. Voltam os militares aos quartéis, porém, estes continuam a exercer sua tutela sobre a vida política do país. De modo que o fim do regime deve ser formalmente estabelecido apenas na eleição direta para presidência da república, em 15 de novembro de 1989.

Esta força que pesa sobre a história do Brasil tem sua razão de ser. Fato é que a ditadura militar não é derrubada. Acaba depois de um longo período de erosão das suas bases sociais de sustentação na burguesia, em decorrência do II PND “desenvolvimentista” e dos efeitos da conjuntura econômica mundial sobre o país, como ressaltado na matéria “Abertura política”: o futuro demora muito tempo, publicada no site Acontece em Petrópolis. Mas acaba também porque fica evidenciada a sua crescente incapacidade de manter a política de arrocho salarial, questionada nas greves do ABC e no restante do país entre 1978 a 1980, o começo de negociações diretas entre capital e trabalho a partir de 1984 e a superação na prática das intervenções da ditadura sobre os sindicatos.

Apesar do desgaste, o processo político é mantido sob as rédeas do Alto Comando: a anistia para os presos e exilados é restringida, uma nova legislação partidária divide a oposição, a eleição direta é gradual, inicialmente restrita aos governos estaduais e posteriormente admitida para a sucessão presidencial, passando antes pela forma indireta do Colégio Eleitoral.

A tentativa do PMDB de pressionar os militares a acelerar a transição por meio da campanha das “Diretas-Já”, entre 1983 e 1984, fracassa com a derrota da emenda constitucional por não atingir o quórum de 2/3 do Congresso Nacional. Medidas de Emergência baixadas pelo general-presidente João Batista Figueiredo garantem o esvaziamento da pressão popular em Brasília, com ocupação da Esplanada dos Ministérios e do Congresso Nacional por tropas militares.

Importa ressaltar que a desarticulação da esquerda, seja em sua vertente revolucionária, seja reformista, pelos militares ao longo dos anos 1970 – com atos de demonstração de força subsequentes, a exemplo da “Chacina da Lapa” (repressão contra o Comitê Central do PCdoB em 16 de dezembro de 1977) – permite canalizar o protesto popular longe das ruas, para os limites do processo parlamentar, sob a liderança da oposição burguesa liberal.

A chantagem política contra esta liderança e sua domesticação são exercidas inclusive por meio de ações de “extrema-direita”, na verdade por comandos militares vinculados aos DOI-CODI do Exército. Dentre as várias ações, destacam-se o atentado contra a Ordem dos Advogados do Brasil no Rio de Janeiro em 27 de agosto de 1980 – então mobilizada publicamente para denunciar o sequestro e a tortura de Dalmo Dallari um mês antes. A destruição da sede e o assassinato de Lyda Monteiro da Silva, secretária da OAB, fazem a entidade recuar e até mesmo em encaminhar a denúncia de Inês Etienne Romeu, como apontado na matéria Inês Etienne Romeu, testemunha da Casa da Morte, também publicada aqui no site.

O mesmo grupo militar do atentado planeja e executa o malsucedido ataque a bomba no Riocentro, onde se realiza show em comemoração ao dia 1º de Maio de 1981, mas nenhum dos implicados no ato criminoso é julgado e o processo é arquivado.

Como visto, Tancredo Neves e José Sarney são eleitos indiretamente em janeiro de 1985. O presidente, contudo, adoece e falece subitamente. Sarney assume a presidência da República oficialmente em 21 de abril de 1985, após uma breve hesitação do PMDB que imagina alçar Ulysses Guimarães ao posto; o apoio prestado a Sarney pelo general Leônidas Pires Gonçalves, ministro do Exército plenamente identificado com o Alto Comando e escolhido anteriormente por Tancredo, permite superar a possível crise. (O nome do general está citado na lista dos agentes da repressão citados pela Comissão Nacional da Verdade, vinculado à Operação Radar e ao Massacre da Lapa.)

A interferência militar se evidencia abertamente na atuação do general na Constituinte em favor da intervenção das Forças Armadas na ordem interna ao lado dos poderes constituídos e na anistia recíproca exceto para os militares expulsos. Esta vitória política torna-se possível porque Sarney, em novembro de 1986, consegue – mediante a isca eleitoral do Plano Cruzado jogada à lata de lixo logo na abertura das urnas – constituir a maioria da bancada parlamentar do que, futuramente, será conhecido como “centrão” e a transformação do Congresso Nacional em Constituinte (Eliézer R. de Oliveira e João Quartim de Moraes. As Forças Armadas no Brasil, 1987).

A eleição indireta de Tancredo Neves e José Sarney em 1985 e a Constituição de 1988 (tida como “cidadã”) são apoiadas por quase todos os partidos políticos. Com a notável e honrosa exceção do Partido dos Trabalhadores que não compactua com a “democracia tutelada”, cujos efeitos assumem dimensão trágica por conta da intervenção militar no chamado Massacre de Volta Redonda, episódio lembrado na canção Aos fuzilados da CSN, dos Garotos Podres.

O PT, nascido em 1980 na onda das manifestações operárias, traz um forte sentimento anticapitalista expresso na sigla “PT, um partido sem patrões” que vislumbra no socialismo a alternativa de sociedade e se organiza em núcleos de massa. Contudo, evita uma definição programática mais clara e, após da derrota de Lula, da Frente Brasil Popular, para Fernando Collor de Melo na eleição presidencial de 1989, o partido rompe com esta trajetória.

(Crédito: OExplorador.com.br)

A Comissão é formada por: Eduardo Stotz – sociólogo e historiador, pesquisador da Fiocruz; Glauber de Oliveira Montes – historiador e professor; João Fabre dos Reis – advogado trabalhista; Maria Helena Arrochellas – teóloga e coordenadora do Centro Alceu Amoroso Lima para a Liberdade; Rafane Valoura Paixão – historiadora e Roberto Schiffler Neto – sociólogo e professor.

Endereço e acesso: Prefeitura Municipal de Petrópolis – Avenida Koeler, 260 – Centro – Petrópolis – RJ – Tel.: (24) 2246-9325. Facebook.com/cmvpetropolis – [email protected]

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