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Colunas

[Para & Pensa] Em quarentena, com filhos

por Daniel Martinez de Oliveira

Um dos efeitos mais prematuros da situação de pandemia que vivemos foi a paralisação das atividades escolares e acadêmicas. Escolas e universidades por todo mundo passaram a suspender suas atividades, de início por uma semana ou quinzena, para em seguida interromper as práticas presenciais por tempo indeterminado. Para pais e mães com crianças em idade escolar, essa mudança se tornou um desafio, pois de uma hora para outra seus filhos deixaram de estar na escola por horas seguidas, que antes eram preenchidas fora do lar. Para aqueles pais que estão trabalhando em casa, em modo home office, ou teletrabalho, a dificuldade maior deve ser equilibrar as exigências da atividade profissional com a necessidade de atender às demandas de atenção e de ócio dos filhos.

Muitos pais têm procurado organizar o tempo para promover uma atmosfera saudável e adequada, mas a realidade da maioria das famílias brasileiras pode não ser essa. A maior parte das famílias ainda têm membros trabalhando fora de casa, correndo os riscos da contaminação e tentando garantir o sustento dos seus entes. Muitas crianças ficam em casa com um dos pais, ou com avós e outros parentes. Além dos riscos envolvidos em violência doméstica e abusos, muitas crianças ficam à mercê de suas próprias escolhas em relação ao que vão fazer no tempo liberado a elas nesse período em que não estão indo à escola.

Nas famílias com condições materiais de vida mais elevadas, também outro tema se colocou na pauta das preocupações na fase de quarentena. Trata-se da tentativa, sobretudo das escolas privadas, de continuar a dar andamento às atividades escolares, de modo remoto, por meio da Educação a Distância. Tem sido um desafio para pais e educadores implementar atividades que deem conta das necessidades educacionais das crianças.

Por um lado, devemos observar o aspecto prático e econômico que envolve o setor. Se a escola para e já não oferece nada aos pais e alunos, uma hora esses pais não vão querer mais pagar por ela. Isso pode gerar demissões massivas ou uma quebradeira de instituições, que dependem das mensalidades para se manter. Por outro lado, existe a preocupação dos pais e das próprias equipes das escolas em manter as crianças em atividade, em lhes dar uma rotina mínima de engajamento e continuidade do vínculo com a sua comunidade escolar.
Em relação às crianças de camadas mais pobres da nossa sociedade, permanecem questões dramáticas com respeito a alguns fatores de atuação direta da esfera escolar. Quais sejam a própria formação básica de muitas delas no âmbito da cidadania e até mesmo a dependência dos ambientes escolares na manutenção da sua alimentação. Lembremos que as principais refeições diárias de muitas delas se dão, por vezes, na escola.

Vemos, então, escolas privadas na tentativa de rechear os dias dos alunos e fazer parecer que podem nos aproximar de uma quase normalidade, e pais e responsáveis a se desdobrarem a fim de organizar o tempo, o espaço e os dispositivos para que seus filhos possam estudar. Enquanto isso, por sua vez, as escolas públicas nas periferias e favelas permanecem paradas. As crianças, sem aulas – e muitas vezes sem água e sem comida –, se dividem entre os espaços apertados de suas moradias e o quintal, o pátio ou a rua, já que em muitos casos o local em que moram são exíguos casebres ou barracos, apinhados de parentes.

Pode ser que essas novas experiências e a nova realidade que se impõe (e que pode durar muito mais do que muitos pensam) acelere a discussão sobre a implementação da educação domiciliar, ou de novas propostas para uma inclusão ou ampliação de atividades a distância no sistema básico de ensino. Mas estará o Brasil preparado? Estarão os pais preparados? Estará a escola preparada? Uma coisa é certa: a escola significa mais que uma praça de transmissão de conteúdos estanques. Ela é também uma comunidade de afetos e sociabilidades. Ali as crianças também aprendem a existir como pessoas e a se colocar no mundo como indivíduos e seres sociais.

O Brasil, enorme em sua diversidade e complexidade, permanece rachado em suas contradições de riqueza versus pobreza e em seus graves problemas estruturais de desigualdade. Isso se reflete na vivência de qualquer crise, como a do Coronavírus, por exemplo. Pois se o vírus não escolhe classes ou idades, a forma como uma pandemia pode ser vivida reflete todos esses fatores. E isso se mostra, como apontamos aqui, também na área da Educação.

Daniel é antropólogo, historiador e escritor.

As opiniões contidas não representam a opinião do site; a responsabilidade é do autor da publicação.

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