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Entrevistas

A dor e a delícia de viver de música

Os desafios de quatro petropolitanos que escolheram a música como profissão

*Essa reportagem foi escrita em 2011.

Chega a ser estranho ver Ricardo Oliveira, o Rik, sem sua guitarra. Parece que fica faltando algo, uma parte do corpo. Àquela hora, o instrumento já tinha embarcado na van da Banda Tokaia, da qual Rik também é vocalista. É que duas horas antes, o grupo havia se apresentado num programa de TV local. Agora, o cenário da nova entrevista era uma praça localizada exatamente à frente do Theatro Dom Pedro – enquanto que lá dentro, Sérgio Mallandro apresentava seu “Stand up Comedy” para uma plateia cheia. Ié ié.

A noite era gelada, típica do outono quase inverno petropolitano. Rik, no entanto, estava devidamente preparado para as baixas temperaturas: sobretudo e boina pretos, e cachecol cinza, no estilo “pode olhar que eu sou artista”.

“Eu comecei com essa história de música ouvindo música, quando era criança. Eu pedia disco ao invés de brinquedo. Tocava muita “bateria” no sofá da sala, era louco por bateria. E assim foi meu primeiro show, com 7 anos idade, no festivalzinho da igreja perto da minha casa, tocando bateria. Foi aí que começou a coisa com a música mesmo”, disse, com sorriso no rosto. Ele ainda acrescentou que isso aconteceu em 1987 e o repertório continha alguns hits da época como “Camila, Camila”, “Astronauta de Mármore” e “Pais e Filhos’.

Naturalmente, aquela apresentação foi apenas um caso isolado. Não pensava em viver de música, ainda. Se Ricardo era louco por bateria, por que razão a reportagem começou falando em guitarra? “Porque, cara, existe um plano espiritual superior, que a gente não entende como acontece, mas ele acontece. Está tudo escrito lá e a gente não faz a mínima idéia do que vai acontecer. Eu queria muito ser baterista, dava porrada no armário, em tudo. Só que meus pais não podiam comprar uma bateria pra mim e minha casa era pequena. Um belo dia meu pai me perguntou se eu queria uma guitarra, e eu aceitei.”, afirmou, ao mesmo tempo que olhava as centenas de pessoas que deixavam o teatro.

O “paitrocínio” mudaria para sempre o rumo da vida de Rik.

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Muitas dificuldades, mas muito mais amor. Essa é a impressão que salta aos olhos de qualquer um que adentre os portões da Escola Municipal Paulo Freire, no Centro. Trata-se de um colégio para alunos portadores de deficiências físicas e/ou mentais, com necessidades educativais especiais. Andando mais um pouco pelo local, e chegando a uma sala arejada, vê-se a figura do professor de música Danilo Henriques – sentado numa cadeira, com seu violão de cordas de nylon em punho. Diante dele, oito alunos, de idades variadas, nenhuma criança – um segurando um violino e o outro um bumbo – pareciam escutar atentamente cada palavra que era dita.

Quando começou a comandar o Coral e a Banda Marcial do Colégio Pró-Criar e Acei, em Nogueira, no ano de 2007, Danilo talvez não pudesse dimensionar a importância dessa nova jornada. Um jovem, de vinte e pouquíssimos anos, que ensinava, sozinho, para mais de 150 crianças – divididas em 20 por sala, durante meia hora, duas vezes por semana – a execução de instrumentos de percussão, num trabalho de estimulação motora e descoberta da habilidade musical de cada um.

“Aceitei o desafio porque eles são muito carentes e porque passam uma coisa muito boa. O talento deles impressiona, ninguém pode falar que eles não vão conseguir alguma coisa. Não imaginava que pudessem tocar tão bem. Eles tem essa sensibilidade, eles dão muito certo.”, disse, emocionado.

É um trabalho bem difícil, que requer muita paciência e dedicação. Segundo o professor, o retorno não vem na hora. O resultado de uma música que começa a ser ensaiada hoje, só consegue ser visto em três meses. A dificuldade maior é conseguir dar o sentido de banda, fazer com que todos toquem como um grupo.

Atualmente, a banda marcial – que utiliza instrumentos como lira, flauta, bumbo, surdo e caixa – tem 60 alunos. Já o coral, cujo objetivo é estimular a fala, conta com 35 integrantes. Em ambos os grupos, a faixa etária varia de 9 a 60 anos.

Nesse instante da conversa, a pedido de Danilo, um dos rapazes, autista, faz uma linda demonstração de violino, e depois canta, acompanhado pelos demais, uma música do cancioneiro nordestino. O repertório inclui canções clássicas e populares, com destaque para “É preciso saber viver” e “Como é grande o meu amor por você”, eternizadas na voz do rei Roberto Carlos, as favoritas da turminha. Impressionante como um rei é rei, sempre, de qualquer jeito, e nenhuma barreira parece ser capaz de impedir sua majestade.

Falando nisso, “como é grande o meu amor por você”, é uma frase que João Macedo falaria olhando nos olhos da música, se essa porventura se materializasse. Seis lances de escada é o que separa a rua Marechal Deodoro da sala onde está João, no Teatro Santa Cecíla. Com cabelos em desalinho, óculos e considerável bom humor, ele se apresenta com uma bolsa de gelo amarrada ao braço direito, fruto de uma tendinite ou coisa parecida. Nada que desanime o professor de teoria musical, harmonia funcional e instrumental, violão, e também afinador de pianos.

Essa coisa de afinar pianos, completou seis primaveras, o que é relativamente pouco perto do caminho musical de João, que apresenta mais de 30 carnavais. A cobaia foi o enorme piano que ocupava quase metade da sala, ladeado por alguns violões e um quadro negro. O instrumento – que é de cordas, coisa que grande parte das pessoas desconhece – ia ser jogado fora, quando ele decidiu por em práticas os conhecimentos adquiridos em um curso de mecânico e manutenção, que fez em Curitiba. Essa afinação, e reforma da madeira, durou três meses.

“Quando um piano não tem danos estruturais, a afinação, cujo padrão é o A440 de orquestra, dura cerca de uma hora e meia e custa em torno de R$ 250. O tempo que leva para esse instrumento ficar direitinho, está diretamente ligado ao seu estado geral. O que me deu mais trabalho, levou dois anos, pois estava com cupim.”, adicionou o afinador, sorridente.

Engraçado mesmo é que Macedo jura que nem sabe tocar piano. Bom, sabe o básico, mas deposita em seu filho a esperança de ver um negócio desse bem tocado. “Só sei cuidar da afinação. Nunca tive tempo para me aprofundar. Meu filho tá estudando agora, a veia é dele”, disse, no instante em que a aluna da aula das 17h, entra no recinto.

Caixa de madeira, cordas percurtivas e 85 teclas preto e brancas à parte, o professor parecia ainda querer falar um pouco mais sobre sua trajetória e, pra isso, concedeu ao assunto mais 10 minutos de tolerância. Foi como se mãos invisíveis desilhassem notas silenciosas, evocando novamente os versos de Roberto e Erasmo “e não há nada / pra comparar / para poder / te explicar / como é grande / o meu amor / por você”, inflamando o discurso do professor.

Se ele se encontrava ali, naquela sala, naquele teatro, naquele hora, foi porque amou e ama a música. Aos 24 anos, largou o emprego numa multinacional, para se dedicar a vocação descoberta aos 18, quando teve as primeiras aulas de violão. “Você não tem idéia do que passei pra poder viver de música. Como aulas as de violão eram somente a tarde, larguei o emprego na empresa e fui trabalhar de jardineiro pra poder pagá-las.”, ponderou João.

Se ajeitou um pouco mais na cadeira, já retirando a bolsa de gelo do braço dolorido, quando acrescentou: “Também tive que bater de frente com os familiares. Eles não aceitavam minha escolha porque antigamente achavam que isso era coisa de vagabundo. Instrumento musical era coisa de malandro.”

Apoio familiar é o que nunca faltou a Ricardo Oliveira, desde cedo. Quando seu pai, que não tinha condições de comprar uma bateria pro filho, ofereceu uma guitarra em troca, quase que por intuição, não podia imaginar o quanto isso seria importante para a formação daquele menino de 9 anos de idade.

“Fui apresentado a uma guitarra, da marca Tonante, modelo Stratocaster. Ele tinha toda a razão. Eu ficava em casa o dia inteiro. Era isso mesmo. Era música e guitarra o tempo todo. Meu pai saía e falava que quando voltasse, queria ver o solo de tal música tirado e tal”, recordou Rik – que viveu na pele os versos da canção “Minha vida”, de Lulu Santos: “Os garotos da escola / só afim de jogar bola / e eu queria ir tocar / guitarra na TV.”

Ricardo tocou e tocou até aquele instrumento não acompanhar mais o seu desenvolvimento, quando, aos 11 anos, foi presenteado novamente por seu pai. Logo, a segunda guitarra que pintou na área, da marca Gianinni, também teve suas limitações descobertas e precisou ser trocada.

“Apoio dos pais foi tudo. Lembro que meu pai recebeu uma grana de indenização da empresa que ele trabalhava, e entre comprar uma máquina de lavar ou uma guitarra, comprou a guitarra pra mim. Minha mãe lavou roupa na mão, no tanque, durante um tempo pra eu poder tocar.”, relembrou o cantor.

Apesar do frio intenso da já vazia Praça dos Expedicionários, por volta de 22h, o assunto continuava a todo vapor. Quase 20 anos antes, na busca pela nova guitarra, Rik foi a uma extinta loja de instrumentos no shopping Bauhaus, quando conheceu o que considera seu segundo anjo musical, o amigo Guilherme do Valle. É segundo posição porque a primeira será sempre de seu pai, que na oportunidade comprou a terceira guitarra, uma Washburn.

A ida a loja rendeu, além do novo instrumento, uma banda chamada Nota Jazz. Isso mesmo, de 12 pra 13 anos de idade, Rik ingressava, ao lado de Guilherme, numa banda dedicada ao sofisticado estilo originado nos Estados Unidos, no início do século XX, por uma confluência de ritmos africanos e europeus. O grupo era um quinteto, que apesar de realizar poucos shows, chegou a tocar na concha acústica do Museu Imperial.

O tempo foi passando, Ricardo foi crescendo, tendo outras experiências musicais, mas, até então, nem ele e nem seus pais sabiam se que aquilo poderia mesmo se tornar uma profissão. Se formou no ensino médio e cursou técnico em contabilidade. Queria ganhar dinheiro, queria crescer. Aos 16/17 anos, quando estava tudo certo para ele ingressar em uma empresa, um outro “anjo musical” atravessou seu caminho. Seu tio – que, justiça seja feita, havia ofertado a Rik, anos antes, um caderninho com dicas de violão – arrumou uma vaga pro guitarrista numa banda de bailes, chamada Fiesta.

Dessa intervenção surgiu, pela primeira vez, a oportunidade de fazer dinheiro com música. De ganhar, inclusive, mais do que ganharia no outro trabalho que acabara de recusar. Começava, então, a tocar na noite, de verdade, profissionalmente, quase todo dia. Ali, também iniciou a aventura como vocalista, o que foi decisivo para combater sua timidez. “Na noite você tem que tocar música na hora, tem que atender pedidos. Tem que tocar de tudo, fazer a galera dançar. Os quatro anos na banda de baile me ensinaram a ser homem, a me virar. O palco foi minha grande escola de música”, afirmou Ricardo.

É claro que tocar na noite era cansativo. Havia mil dificuldades, mas essa fase foi decisiva para a vida de Rik. Daquele momento em diante, seria músico e viveria disso. Já podia, inclusive, comprar os instrumentos, sem precisar recorrer ao pai.

Foi justamente a falta de dinheiro para comprar um instrumento, que fez com que Leo Fernandes ingressasse no ramo da Luthieria. Cabe esclarecer que o luthier é alguém que faz ou repara instrumentos de corda como violão, guitarra, baixo, etc. “Na verdade, nunca fui músico. Um dia consegui algumas madeiras e fiz então meu primeiro instrumento, um violão. Curioso é que foi tudo intuitivo mesmo e não parei mais.” disse Leonardo, convicto.

Uma pausa para os números: Fernandes começou nesse ramo com 20 anos de idade. Desde então, são 18 anos de experiência, sendo 10 profissionalmente e exclusivamente como luthier. “Basicamente eu escolho as madeiras de acordo com o que vai ser contruído, e passo em máquinas para limpeza e aparelhamento. Daí então é que posso perceber os veios, desenhos e verificar se está perfeita ou não para começar o trabalho. Assim feito, nasce um instrumento. Cada trabalho é único.”, explicou Leonardo.

A sua oficina de trabalho é alcançada após uma extensa e íngreme ladeira, no Fragoso, no bairro Estrada da Saudade. Rodeado de pedaços de madeira, Leo demonstrou a habitual simpatia ao comentar sobre sua relação com os intrumentos “Todos deveriam cuidar com carinho dos seus instrumentos, pois eles têm alma.”,

Se a palavra alma parece rodear aqueles que trabalham com música, imagina quanta “alma”, no sentindo mais poético possível, não era vista naquela aula de música comandada por Danilo, para alunos com necessidades especiais?

Naquela manhã de quarta-feira, na Escola Municipal Paulo Freire, o termo “alma” poderia ser também entendido em sua derivação do latim “anǐma”, que refere-se ao princípio que dá movimento ao que é vivo. Estava estampado no rosto de cada um daqueles jovens e adultos, a alegria da cantar. Estava claro e palpável, o tanto de vida que a música empresta a pessoas que passam por tantas dificuldades. Muito comovente, de verdade.

“Eles adoram música, todos gostam. Ele sabem que o coral é na quarta, mas perguntam todo santo dia ‘hoje tem aula?’. Estão sempre ansiosos pelo ensaio. Quando não tem, choram”, afirmou Danilo, sempre com brilho nos olhos. E ainda acrescentou: “Isso tudo eu tiro como lição de vida. Lembro de um aluno cadeirante, que infelizmente já faleceu, que descia uma ladeira incrível para chegar a escola e participar da banda. Podia estar chovendo, o que fosse, lá estava ele. Tinha muita dificuldade, mas tocava bumbo. Aliás, era o único aluno que tocava com duas baquestas, fazendo evolução. Nós, que aparentemente temos mais facilidade para fazer algumas coisas, muitas vezes não fazemos por preguiça.”

Durante a conversa, o rapaz do violino tocou mais uma canção, numa alegria contagiante, incomum. Danilo não perdeu a oportunidade para comentar: “É impressionante quando a banda termina uma apresentação e o público aplaude. Alguns alunos que estão se apresentando choram, outros comemoram como se fosse um gol do Brasil. É uma coisa pura. Outra coisa legal é que eles se ajudam, quem tem mais aptidão pra música ensina aqueles que apresentam mais dificuldades. É lindo demais.”

A banda e o coral já fizeram algumas apresentações na cidade: desde 2007, participam do desfile de 07 de setembro; Em 2010, estiveram no Festival de Inverno SESC, no “Música vai a Praça”, e também no evento França vem ao Brasil, entre outros. A previsão é que se apresentem em julho e agosto, no Brasil Musical, evento promovido por Catarina Maul, que esse ano homenageia o compositor Adoniran Barbosa, autor do clássico “Trem das Onze”.

Além disso, todo esse trabalho já tem influência direta na atitude dos alunos em casa e na escola, por meio de demonstrações de comprometimento, disciplina e responsabilidade. Ter um bom comportamento nas disciplinas convencionais e nas demais aulas de artes (dança e teatro), é o requisito para participar ou permanecer nos grupos de música.

Antes de deixar as dependências da escola, no fim da tarde, rumo ao seu segundo emprego, o professor Danilo Henriques da Silva – que toca violão e violino desde 11 anos, tendo participado das orquestras Suzuki e UCP – sintetiza em uma frase, tudo o que sente em cada dia em que pode ter contato com essas pessoas tão maravilhosas: “É um trabalho que é satisfatório em todos os momentos.”

Agora, ele segue para a Rádio Musical FM, tradicional veículo petropolitano, onde é operador de áudio. Lá, suas mãos determinam o que vai ao ar ou não, as vinhetas, os efeitos sonoros e as músicas. Novamente, e sempre, elas. Músicas. Talvez Danilo já tenha colocado pra tocar alguma canção da Banda Tokaia, atualmente composta por Mariano San Roman (baixo e voz), Ulisses “Urso” Nascimento (bateria e voz), Rogério “Chapolim” Vieira (trompete), Arthur Milk (trombone) e de Ricardo “Rik” Oliveira (vocal e guitarra).

A possibilidade de criar o próprio trabalho, imprimir sua identidade, e – quem sabe um dia, tocar na rádio – foi o que levou Rik a trocar a banda Fiesta pela Tokaia, há 10 anos atrás. Se em algum momento dessa transição ele teve dúvidas quanto a deixar a estabilidade financeira do antigo grupo, seus pais, mais uma vez, o tranquilizaram. As palavras do guitarrista não deixam dúvidas: “Olha, eu estava com 20 anos na cara. Se tinha uma hora de meter a cabeça, arriscar e ver o que ia dar, era aquela. Minha família é muito unida, a gente sempre se ajudou. Minha mãe disse que, na pior das hipóteses, eu sempre teria um teto, arroz, feijão e muito carinho. Eu aceitei o desafio.”.

Ricardo chegou a nova banda no momento que esta se preparava pra gravar um CD autoral. Poderia, então, criar suas próprias músicas, ao invés de apenas reproduzir as canções dos outros. Com a saída do ex-vocalista da banda, tempos depois, o destino colocou o microfone num pedestal, à frente de Rik. “Eu sempre fui guitarrista, não pensava em ser cantor. Já teve gente falando, que eu canto melhor do que toco guitarra. Eu não gostei muito. Brincadeira, mas falando sério, é porque as palavras chegam primeiro nas pessoas. Qualquer um canta. ”, admitiu, às gargalhadas.

Mais uma vez a palavra alma vinha à tona no discurso de mais um músico, de mãos dadas com outras como sentimento e coração. De repente, fogos de artifícios começaram a ecoar no céu daquela praça, anunciando, provavelmente, um gol do Vasco, que naquele instante enfrentava o Coritiba, no segundo jogo final da Copa do Brasil 2011. Isso não foi capaz de desviar a atenção de Rik, que, atencioso, lembrava da aquisição da ‘guitarra de sua vida”, a famosa Fender Stratocaster. Sabe-se que Ricardinho, alguns o chamam assim, apesar de não torcer pra nenhum time, adora o hino do Flamengo na voz de Jorge Ben.

Com o time da Tokaia, Ricardo começou a jogar em campos (leia-se palcos) fora de Petrópolis: tocaram também em Nova Friburgo, Rio de Janeiro, entre outros lugares. Ao longo de 10 anos de estrada, de trabalho duro, sem férias, Rik aprendeu muito. O segundo CD autoral da banda foi produzido por Fábio Fonseca, autor da canção “Manuel”, que fez muito sucesso na voz de Ed Motta. Ricardinho também tocou para muita gente diferente, plateias de muitos lugares. Em suas palavras, esse contato com a plateia é melhor coisa do mundo, embora seja assustador e, caso haja algum problema, a guitarra é seu escudo.

A reconhecida qualidade músical da banda, aliada há muitos anos de estrada, fez com que o assunto daquela noite fria, agora já sem fogos – o Vasco perdia o jogo de virada e só iria empatar o jogo minutos depois – caminhasse para o assunto fama. Quando perguntado sobre o sonho de ser famoso, Rik foi enfático: “Eu acho que já to vivendo esse sonho. Eu talvez seja famoso regionalmente, mas agora com essa coisa de internet, tem gente que te vê e você nem imagina. Temos um cover do Simply Red no youtube, que a maioria dos comentários vem de fora, de gente que talvez veja o Simply Red todo ano. Tá indo longe, sim. Já tô vivendo de música, fazendo aquilo que gosto”.

Duas horas e meia antes, a banda havia apresentado ali pertinho, na sede do canal TVC 16, uma música nova “How I Feel”, de autoria de Rik e do baixista Mariano San Roman. “O lance é esse, bicho. É jogar o trabalho pra frente. Não adianta nada ter uma música maneira e não tocar. Hoje meu pensamento é esse, divulgar meu trabalho. Até hoje tem gente de Friburgo tuintando ‘Essas e outras Canções’, uma parceria minha com um amigo”, lembrou o compositor.

“A luta é a mesma pra todo mundo, só muda a área que a pessoa está, a própria graduação da pessoa. A luta do cantor Leoni de divulgar as músicas em seu site, ou do filho do Dhani Harrison, filho de George Harrison, de divulgar seu trabalho no myspace, me fizeram refletir. Aí que eu me toquei. É difícil até pro filho de um Beatle, até pra um cara que já tem nome. Cada um tem a sua luta pra se manter, todo dia tem gente nova chegando, tem muita competição. A luta é universal. Existem os níveis de luta, né? Duas, três, cinco estrelas, igual hotel.”, ponderou Ricardo, convicto.

Parece que lutar é um verbo usado tanto usado por boxeadores, quanto por músicos. Da mesma forma que Rik, também luta João Macedo, o professor de música, afinador de pianos, que afirma não se arrepender de nada do que passou e corrobora: “O que tinha que ser, é. Eu sou feliz e não tem dinheiro que pague isso. Recebo muito pouco pelo que faço, mas vale a pena. Sou feliz.”

As palavras de Leo Fernandes, o luthier, também não deixam dúvidas de sua batalha, mas acima de tudo de sua alegria: “No meu trabalho tem dificuldades como em outro qualquer. Mesmo que muitos não valorizem muito esse trabalho, eu valorizo. Não me arrependo de nada, jamais, essa é minha vida. Sou muito feliz e me sinto realizado.”

Da mesma forma, o complemento da frase “É um trabalho que é satisfatório em todos os momentos.”, dita lá em cima, por Danilo Fernandes – ao se referir a banda e a coral de música que coordena junto a dezenas de pessoas portadoras de necessidades especiais – tem agora o desfecho que nem precisava ser dito, de tão escancarado que já estava, mas aí vai: “Eu sou feliz.”

A seu turno, Rik, finaliza “Minha vida já é essa, não tem mais volta. Não me arrependo de nada. Acho que estamos na direção certa, sim. Sem deslumbre, com os pés no chão, e muita disposição pra trabalhar. Sou feliz com o que eu tenho. Com o que eu sou e acredito que eu possa ser ainda mais feliz. Meu sonho é ter gás, pra fazer isso pelo resto da vida. Ter voz pra poder cantar, movimentos pra tocar guitarra. Ter a luz lá de cima pra continuar fazendo coisas, compondo canções. Ser ouvido. Eu já acho tudo maravilhoso. Se não houver mais pessoas, eu já tô feliz. Já é muito mais do que eu poderia querer. Mais do que eu poderia esperar da minha vida. Viver tanto financeiramente, quanto poder me alimentar de música, sonhar com música. Viver 24 horas por dia nisso. Eu quero estar sempre no jogo, sempre fazendo gol. Fazendo música e jogando bola.”

Sem que fosse premeditado, o fim da última entrevista casava perfeitamente com a festa que começaria em minutos nas ruas da cidade: o Vasco sagrava-se, naquele instante – depois de grande luta, num jogo dificílimo – Campeão da Copa do Brasil 2011. Também são assim as histórias de vida dos quatro entrevistados daquela quarta-feira, que alternam entre entre a dor e a delícia de fazer o que gostam e têm vocação.

Um Comentário

  1. Caraca! Que materia gigantesca, se alguem conseguir ler tudo depois me manda o resumo. abs!

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