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[Coluna] Ditadura militar: “milagre econômico” e desastre social – Parte 2

por Eduardo Stotz, presidente da CMV

Em 25 de março de 1970, um grave acidente com um tubulão usado na construção da Ponte Rio-Niterói se rompe. O jornalista Romildo Guerrante, responsável pela cobertura do gigantesco empreendimento, escreve mais tarde:

A morte dos operários concretados não era lenda. Naquele acidente censurado em que morreram 12 pessoas, o tubulão se rompeu violentamente. Não havia chance para quem estava lá dentro. O que se sabe é que os corpos não foram resgatados, pois o concreto cobriu tudo. De acordo com o jornalista, o número de acidentes fatais entre engenheiros, técnicos, operários ultrapassa, na construção da ponte, o de 30 empregados. O problema da falta de segurança coletiva decorre do atraso na obra, uma vez que o consórcio inicial, apesar de ter sugado dinheiro como nenhuma outra obra do Ministério dos Transportes até então, deixa um trabalho imprestável a ser refeito.  O novo consórcio (Camargo Correa, Mendes Junior e Rabello) retoma a obra em ritmo vertiginoso, como afirma o engenheiro Bruno Contarini, à frente de 130 engenheiros e dez mil operários, trabalhando simultaneamente durante as obras de maior envergadura: muitas vezes trabalhávamos das 7h às 19h, e até virávamos a noite.

Acidentes de trabalho acontecem em maior número na construção civil, no setor de transporte e comunicações e na indústria extrativa. As informações oficiais disponíveis desde 1970 referem-se apenas ao setor formal da economia, o que aponta um evidente sub-registro pois a incidência maior de acidentes acontece no setor informal, onde aliás, a letalidade (acidentes com morte) é mais elevada.

Os acidentes afetam todos os ramos de atividade econômica, no país inteiro. Assim, lemos, na primeira página da Tribuna de Petrópolis de 4 de janeiro de 1970 a notícia de que Nadir Teresinha do Amaral, de 14 anos, operária empregada da Companhia Petropolitana, de Cascatinha, teve seu braço direito apanhado por uma espuladeira, máquina em que exercia suas funções, sofrendo amputação traumática do antebraço (na altura do cotovelo).  Histórias trágicas contadas inclusive sob a forma ficcional, como no conto “A mão esquerda”,  escrito por Ronivalter Jatob, nas Crônicas da vida operária, cuja primeira edição sai pela Global Editora na Coleção Testemunhos em 1978 e a mais recente pela Lazuli, em 2006.

No rastro das obras de construção civil e das migrações deixado pelo “milagre econômico” desenvolve-se, principalmente a partir de 1970, ampla e acelerada favelização nas cidades. Favela não é problema e sim solução – disse na época John Turner, urbanista inglês em visita ao Brasil. Problema, no caso, relacionado à baixa remuneração dos trabalhadores e ao arrocho salarial; solução do problema dos salários com o prolongamento da jornada de trabalho mediante horas extras (agravando, como vimos, a insegurança no trabalho) e, do ponto de vista habitacional, com a autoconstrução da moradia em áreas de risco. A Rocinha, na cidade do Rio de Janeiro, por exemplo, resulta da ocupação da área adjacente do Túnel Dois Irmãos (atual Zuzu Angel) pelos trabalhadores migrantes empregados na sua construção. O mesmo acontece após a urbanização acelerada da Barra da Tijuca, quando se expande a favela Rio das Pedras.

A urbanização na maioria das cidades, carentes de saneamento básico e até mesmo de serviços de saúde, traz consequências graves. Em 13 de janeiro de 1974, o Diário de Petrópolis informa que em três meses a Delegacia de Polícia tinha registrado em seus livros 15 casos classificados como “morte súbita” mas que os policiais preferem considerar como óbitos por falta de atendimento ou por socorro tardio.

Mais grave ainda é a situação da epidemia de meningite em São Paulo no ano de 1974 quando acontece um verdadeiro crime da ditadura militar. De acordo com o epidemiologista José Cássio de Moraes, professor-adjunto do Departamento de Medicina Social da Faculdade de Ciências Médicas (FCM) da Santa Casa de São Paulo, a epidemia pelo meningococo A começou em maio:

As reportagens – sempre em off – intensificaram-se à medida que a doença ia se aproximando da classe média e da elite. A negação oficial perdurou até junho de 1974. A liberdade de informar sobre a epidemia durou pouco; logo em seguida, julho ou agosto, se proibiu a divulgação de dados estatísticos a respeito da doença para “não alarmar a população”. O assunto era considerado de segurança nacional. Em setembro de 1974 teve o seu pico. Só que toda a imprensa foi proibida de divulgar.  Os registros da epidemia na cidade de São Paulo alcançam 12.330 casos, o que dá 33 por dia, com cerca de 900 óbitos.

(Imagem disponível no Ica.art)

A Comissão é formada por: Eduardo Stotz – sociólogo e historiador, pesquisador da Fiocruz; Glauber de Oliveira Montes – historiador e professor; João Fabre dos Reis – advogado trabalhista; Maria Helena Arrochellas – teóloga e coordenadora do Centro Alceu Amoroso Lima para a Liberdade; Rafane Valoura Paixão – historiadora e Roberto Schiffler Neto – sociólogo e professor.

Endereço e acesso: Prefeitura Municipal de Petrópolis – Avenida Koeler, 260 – Centro – Petrópolis – RJ – Tel.: (24) 2246-9325. Facebook.com/cmvpetropolis – [email protected]

Mais em:

[Coluna] Ditadura Militar: “Milagre Econômico” e Desastre Social – parte 1

[Coluna] Ato Institucional nº 5 – o golpe dentro do golpe

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