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Coluna Literária

Poetas em Petrópolis: Elizabeth Bishop

“Estou vivendo no Brasil há quase oito anos, a maior parte do tempo nas montanhas, perto de Petrópolis [RJ]. Volto a Nova York quando posso, mas aqui é meu verdadeiro lar agora.”

Elizabeth Bishop em carta à sua editora italiana, 24 de julho de 1959

 

Crédito: Joseph Breitbenbach / http://institutolotta.org.br

Primeira autora estrangeira homenageada pela Festa Literária Internacional de Paraty (FLIP) deste ano, Elizabeth Bishop viveu quase duas décadas de sua vida no Brasil, sendo uma parte deste período em Petrópolis. Uma das mais importantes poetas do século 20 e a arquiteta Lota de Macedo Soares viveram na Casa Samambaia, no bairro Samambaia, na década de 1950.

A princípio, Bishop viera para uma estadia de apenas duas semanas e desembarcou no Brasil em 1951, no porto de Santos. Contudo, acabou conhecendo e se apaixonando por Lota, prolongando sua permanência no país por mais de 15 anos. As duas viveram no Rio de Janeiro, mas Elizabeth nunca se sentiu inteiramente à vontade na capital, chegando a dizer que “não é a cidade mais bela do mundo, apenas o lugar mais belo do mundo para uma cidade”. A casa que considerou um lar foi a que Lota construiu no bairro Samambaia.

Casa Samambaia / Crédito: http://institutolotta.org.br

Construída no início dos anos 1950, a casa foi um projeto de Lota e do arquiteto carioca Sergio Bernardes. A “residência-galpão”, embora ainda artesanal, foi o primeiro experimento consistente do uso de estruturas metálicas no Brasil e logo ficou famosa, rendendo a Bernardes o prêmio para obras de arquitetos abaixo de 40 anos da 2ª Bienal de Arquitetura de São Paulo, em 1954. De acordo com uma matéria do jornal El País, “como gesto de amor, Lota acrescentou ao projeto já em obras um pequeno estúdio independente para escrever olhando as cachoeiras e os morros da serra. Foi um reino secreto nas alturas onde Bishop encontrou calma e inspiração”.

Casa Samambaia / Crédito: http://institutolotta.org.br

Segundo Carmen L. Oliveira, autora de Flores Raras (livro sobre o relacionamento das duas que foi adaptado para o cinema) e Banalíssimas, Bishop visitou a Casa Samambaia, em 1951, quando a casa ainda estava nas fundações. “Quando herdou da mãe a propriedade em Samambaia escolheu a parte mais próxima da mata. Começou a planejar uma construção ultramoderna no meio do ambiente rústico. Nem de acesso rodoviário dispunha. Era mato. Um dos atrevimentos típicos de Lota (…) A despachada Lota resolveu alterar a ordem da construção, realizando primeiro uma acomodação para ela e sua amada. Fez ainda um estúdio para Bishop, lá embaixo, distante da folia da obra”, contou em entrevista ao site casa.com.br. As duas viveram ali até 1961, quando Lotta foi nomeada pelo então governador Carlos Lacerda, para a urbanização do Aterro do Flamengo, no Rio de Janeiro, parque pelo qual seu nome é lembrado até hoje. Desde 1977, a propriedade pertence a uma empresária carioca.

Embora tenha sido muito influenciada pelas poesias de Marianne Moore e Robert Lowell, segundo informações dos organizadores da FLIP, “a literatura latino americana — em especial as obras de Carlos Drummond de Andrade e João Cabral de Mello Neto — reverberaram profundamente em sua produção. Bishop também traduziu poemas de outros autores brasileiros fundamentais, como Manuel Bandeira, Murilo Mendes, Oswald de Andrade e Vinícius de Moraes. Coeditada e prefaciada por ela em 1972, a obra An Anthology of Twentieth-Century Brazilian Poetry — uma antologia da poesia brasileira do século 20, em livre tradução — a consolidaria como uma importante divulgadora da moderna literatura brasileira em língua inglesa”.

Elizabeth Bishop venceu o Prêmio Pulitzer na categoria Poesia no ano de 1956 pelo livro North and South – a Cold Spring e, em 1976, foi a primeira mulher a receber o prêmio internacional Neustadt de Literatura, única americana a recebê-lo. Ela morreu em 1979, aos 68 anos, vítima de um aneurisma cerebral.

Confira uma poesia de Bishop, traduzida por Paulo Henriques Britto:

A arte de perder

A arte de perder não é nenhum mistério
tantas coisas contém em si o acidente
de perdê-las, que perder não é nada sério.

Perca um pouco a cada dia. Aceite austero,
a chave perdida, a hora gasta bestamente.
A arte de perder não é nenhum mistério.

Depois perca mais rápido, com mais critério:
lugares, nomes, a escala subsequente
da viagem não feita. Nada disso é sério.

Perdi o relógio de mamãe. Ah! E nem quero
lembrar a perda de três casas excelentes.
A arte de perder não é nenhum mistério.

Perdi duas cidades lindas. Um império
que era meu, dois rios, e mais um continente.
Tenho saudade deles. Mas não é nada sério.

Mesmo perder você (a voz, o ar etéreo, que eu amo)
não muda nada. Pois é evidente
que a arte de perder não chega a ser um mistério
por muito que pareça (escreve) muito sério.

 


Mais em: Poetas em Petrópolis: Raul de Leoni


 

 

Fontes: jornal El País, FLIP, BBC, instituto Lotta, casa.abril

Marianne Wilbert

Jornalista, pós-graduada em mídias digitais.
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